Vitorino

Fado da Pré-Reforma

Vitorino


Almofada de missanga 
para deitar a cabeça 
e um fumo negro na manga 
antes que alguém adoeça. 

Quando saio pró emprego 
dizes-me adeus do postigo: 
Gosto de ti, seja cego, 
fique já aqui tolhido! 

Tomo o meu chá de limão 
na leitaria da esquina: 
ao beber treme-me e a mão 
se ao meu lado no balcão 
se empoleira uma menina. 

Almoço um pastel folhado 
volto ao escritório a correr 
sento-me à mesa apressado 
e logo o patrão, zangado, 
Antunes, não pode ser! 

No trinta e oito p´ra Chelas 
leio a bola ao solavanco 
passam postes e janelas 
chamam no alto as estrelas 
há quem voe para elas 
e eu sentado no banco. 

Esfrego os pés no capacho 
vens de robe dar-me um beijo 
que sejas nova não acho 
mas calo-me, ponho um pacho, 
e enquanto aqueces o tacho 
vai-se-me logo o desejo. 

E tu, em Marvila: Amor 
não gostas do meu cozido? 
mas seja lá como for 
gosto de ti sim senhor 
fique já aqui tolhido!