Acordei de um longo sono, a intensa luz quase me cega É preciso revelar o que se nega Se a vida é uma escola toda escola tem seu quadro Quadro negro, formato quadrado Nele reescrevo a minha história, faço um diário Na minha lista negra só tem revolucionário Marias guerreiras das periferias você tem que ver Os guerreiros do passado e os atuais do MST Os homossexuais que resistem com dignidade Crioulos e indígenas que adentram as faculdades Se o escuro é feio minha poesia é imunda Das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda E por falar em água, me vem na lembrança O quadro negro na verdade tem a cor da esperança Que caia um temporal sem pedir licença E faça desabar essas velhas crenças Visões estúpidas, espalhadas pelo mundo Que associou a cor preta a tudo que é imundo O negro discrimina o próprio negro sim Se aquele que apontas como negro não se acha assim Cresceu aprendendo que ser negro é feio Se é tudo de ruim quem é que quer andar no meio? Quem escreveu a história do negro nesse país? Basta ver a cor do giz Os Reis Faraós do Egito hoje mumificados Se tirassem suas faixas pudessem ser ressuscitados Saberia dizer a cor da pele deles sem engano? Quer uma pista: Egito é um país africano Não adianta sabermos que não existe raça Se o conceito predomina e representa ameaça O hip-hop não nega a mestiçagem, porém Sabe que ela não trouxe igualdade pra ninguém Tá vendo o que a herança racista ofereceu? Se existia escravidão entre africanos antes dos europeus Era com sentido diferente do que se viu Não eram vendidos, não tinha caráter mercantil As tribos guerreavam o grupo perdedor assume Rendição por questão de honra, de costume Se há uma cor do pecado ela chegou de mansinho Espalhando discórdia e ambição pelo caminho Sua ciência e religião assim disseram com toda calma É inferior! Pode escravizar que não tem alma A cor da paz cometeu holocausto aos judeus Barbárie na inquisição em nome de Deus Nas Américas, índios foram dizimados Mas quem sobreviveu está criando um novo quadro Se na prova der branco na memória Vamos denegrir a sua mente com a nossa história A luz do sol ofusca a visão E a beleza da lua só é possível com a escuridão A luta pelas cotas não anula a luta pela melhora Da qualidade de ensino público, tu ignora Pelo contrário, quanto mais negros na academia Muito mais força pra se lutar por um novo dia Racismo, o que mais me causa espanto Não se encara como problema do branco Mas entre esses, há os que lutam pelo seu fim "ah se todo branco fosse assim" Branquitude, pouco se ouve falar O que explica o privilégio que sua etnia pode conquistar? Pra quem nasceu em berço de ouro é difícil entender Que não é só porque seus pais fizeram por merecer Foram anos de exploração no passado pra que um dia A sociedade fosse estruturada a favor de uma minoria Há os que não admitem cotas julgando serem injustas Outros julgando serem esmolas, tudo isso me assusta Pergunto quanto custa superar o engano? Quanto custa ignorar os direitos humanos? Muita coisa bonita garante a Constituição Se esquecida ou ignorada precisa de afirmação Pretos e brancos são iguais, e daí? Se a norma Nem no cemitério são tratados da mesma forma Entenda agora o que são ações afirmativas Medidas pontuais, alternativas Medidas passageiras que vem afirmar Pra sociedade, que há, desigualdades, a reparar Dos que vivem abaixo da linha da pobreza 70% são negros, que beleza! Do total de universitários brasileiros 97% são brancos e herdeiros De uma política que patrocinou para embranquecer a raça A vinda de 4 milhões de estrangeiros, o tempo passa! Tudo isso, em 30 anos irmão Foi o que se trouxe de negros, em 3 séculos de escravidão Patrocínio com recurso público, o negativo Para os escravos libertos nenhum tipo de incentivo Nos mataram, exploraram e depois largaram a toa Sem emprego, casa, comida, só disseram: vai, voa! Sem asas e quem sobreviveu tá por um triz Amontoados nas favelas de todo país Quantos brancos moram lá? Cê conta no dedos Agora entenda porque cotas para negros Refrão Eu quero bonecas, anjos, apresentadores pretos e pretas Empresários, juízes, modelos, doutores pretos e pretas Se querer é uma faceta Eu quero, desejo, uma elite preta Uma coisa é pedir outra é conquistar respeito O fruto de uma conquista dá-se o nome de direito Olhe pra minha cor, olhe pra nossa luta Nem esmola nem favor se desigual é a disputa Entre quem sempre teve privilégio de estudar Com ensino de qualidade em escola particular E querer comparar com ensino público e a situação Tele-aula, aceleração Vestibular pra faculdade pública o esquema é raro Com cotas ou não só entra quem tem preparo Não serão as cotas que terão o privilégio de inaugurar A presenças de alunos educados pra manguear Vestibular das particulares tomou a frente, foi mais ligeiro Freqüentemente só basta ter dinheiro Quem concorrer pelas cotas vai se deparar legal Com uma concorrência enorme mas não desleal Desleal é a condição que o jovem negro encara Fusca para ele, Ferrari para os de pele clara Competirem com as mesmas regras, maldade É isso que eles chamam de igualdade Engraçada essa gente da estética Ter instrução em excesso nunca foi sinal de ética Será mesmo a suposta elevação intelectual Que garantirá a formação, de um bom profissional? Não subestime a inteligência dos excluído desse milênio A faculdade do crime só tem gênio A elite é quem decide em âmbito nacional Se nossa inteligência será usada para o bem ou para o mal Tanto tempo buscando debate ninguém se importou A cota de tolerância do meu povo já se esgotou A Simples Rap´ortagem revela para o Brasil Com cotas ou não vestibular é funil Com cotas ou não vestibular é peneira Quem concorrer pelas cotas mas não for bom vai levar rasteira Que vença o melhor...chega a ser hilário A prova é uma só os concorrentes que são vários Quem se afirmou, como provar se é negro ou não? De uma vez por toda pra se resolver a questão O cassetete da PM tem dispositivo de elite Nunca erra quem é negro, acredite! Refrão Cuidado quando alguém te incita A ir a um show onde só tem gente bonita Olhe sempre com reservas, pra mim o que interessa É saber que gente bonita é essa Analise os termos que deixaram pra gente Entre pardo e mulato qual o mais indecente? Qual o menos prejudicial? Ter a identidade de mula ou de pardal Mas pêra aê, veja que pirraça Pardal não é aquele passarinho que não tem raça? Que perambula pelas praças, dizem sem valor Pássaro sem vocação pra cantor Vira-lata, a mula é um animal Mão de obra barata, estéril, irracional Só serve para o trabalho mas não para produzir E aí cumpade, tu se encaixa mesmo aqui? Nem parda, nem mulata eu me defino politicamente Sou negra, ou se quiser afro-descendente Cuidado, que eu tô em pele de cordeiro Do tipo que da coice, afro-brasileiro Deveria ser executado com um tiro de bazuca O criador do personagem "negra maluca" Eu sou sério demais? Não vá se preocupar Herdei da minha gente o talento pra contrariar Contrariando, tu vai sim me ver sorrindo Mas o hip-hop superou o discurso do "negro é lindo!" A quem interessa? Eu digo a quem pensou Que eu seria só mais um com vocação pra tambor Se respeito é bom, não me leve a mal Eis um empresário, uma pedagoga e um cientista social Da Universidade Federal da Bahia Detalhe, quem diria, na terra do "é só alegria!" Se denegrir é tornar negro irmão Vamos denegrir a faculdade de comunicação De direito, medicina e muito mais Vamos denegrir os órgãos oficiais Refrão A manchete da Simples Rap´ortagem estampa Um novo quadro negro se levanta Há muito a ser contado sobre os nossos ancestrais Não deixar passar em branco, tarefa nossa rapaz Se ligue, a muito a ser feito O importante nego é fazer do nosso jeito ------------------------------------------------------------------------- HIP-HOP BAIANO www.simplesrap.com