Um pedaço de pátria livre com minhas veias atlânticas No mapa mestiço do meu corpo negro ou brasileiro A mesma face enterrada no chão português da ibéria E a mesma alma oceânica a caminho dos ventos A mesma língua por dentro da língua falada nos espaços Recônditos da alma morena dos antepassados recíprocos Todos comuns ás virgens desfloradas pelos homens sem cor Que punham lantejoulas no céu de cada ventre tropical Ao sul das lânguidas praias margens da misteriosa atlântida Quilhas rasgando os vendavais de cada aventura sem destino Aí nasceram as bocas astrais para os signos dos deuses Criando a mitologia dos afogados ao leme dos tempos Resta essa lusíada chama agora liberta nas plagas continentais Onde fermenta o sol no sal das obtusas claridades das sombras Gerando a palavra nos corações misturados nos abismos das raças Onde as pirâmides assinalam os sarcófagos do meu povo Povo triturado pelas esferas e os cata-ventos imperdoáveis Das bruxas que urdiram o maligno feitiço do império E agora mortas expelem nas marés as fétidas fezes da história Uma história que é preciso começar outra vez de zero Um pedaço de pátria livre com essa chama lusíada Líquida chama nos lábios de um futuro sem abortos Expressão dos ventres da gestação austral Ou das pequeninas ilhas dos golfos crioulos Um beijo na boca do universo um beijo africano Principalmente africano e brasileiro Do zero ao êxtase um beijo íngreme na boca Das líquidas palavras da mesma língua cósmica Será uma fusão de asas salgadas pelas marés claras Das praias assinaladas pelas âncoras ancestrais E a mesma viagem andrógina dos bissexos da mesma pele Desfraldando as bandeiras miscigenadas pelas lantejoulas Um pedaço de pátria das pátrias procriadas No mesmo verbo ardente de lírica melodia Cantando amanhã as palavras somadas Pelas gentes que esta língua em si mesmo procria Meu sangue diluído nos poros do teu ser Esse meu estar no mundo na tua pele sem cor Colhendo os brasis nas selvas africanas E as áfricas semeando no reino dos algarves Quem será esse filho do grávido futuro Que a tua boca oferece ao beijo redimido Fecundado pelos séculos no mesmo chão sem pátria Das pátrias do meu verbo do teu verbo nascido Um pedaço uma gota uma única gota Do teu perfil mestiço projetado nos astros Singrando mares siderais á procura de rota Os mares os mesmo mares nunca antes navegados Que os despojos da história voltem ao restelo Mas que essa chama livre para sempre viva Num pedaço de pátria múltipla pátria amada Feita de mil pedaços da alma do meu povo Português em macau ou brasileiro em luanda Africano da bahia ou crioulo europeu Quando falas eu sei que nasceste de mim Quando em mim nascias do meu pai do teu pai Português infeliz nas andanças andadas Palmilhou cicatrizes no rosto do tempo E não sabe o que fazer das encruzilhadas Nem das cruzes que pôs nas vertentes oblíquas Português sem o gesto da própria mão direita Decepadas nos becos das entranhas marinhas (poentes de navalhas em horizontes mortos) Com a vida esvaída nas correntes submersas Português carregando os crepúsculos pesados De uma podre velhice para estrumar a europa Enforca-te no mar e nos próprios cabelos Mas não morras deitado na cama da ibéria Português que furaste os olhos ardentes Para veres os confins dos confins da aventura Não desistas agora das auroras urgentes E volta para casa para nasceres de novo