Chegou um dia na estância Um índio já bem tordilho Pelo visto um andarilho Desses viventes sem norte Um deserdado da sorte Que vive nos corredores Sem sonhos e nem amores Negaciando a própria morte Pediu somente pousada Um poncho velho, um pelego Pra uma noite de sossego Antes de voltar a estrada Não conversou com a peonada Não quis mate nem comida Nada falou da sua vida Também não perguntou nada O primeiro madrugador Que botou os ossos de ponta De vereda se deu conta Que faltava um no galpão Só ficara sobre o chão As tralhas onde dormiu Muito cedo ele partiu Como se fosse um fujão Mais tarde o patrão nervoso Perguntava pra peonada Por uma tal faca prateada Que há anos o acompanhava Tinha certeza que estava Com os arreios no galpão E ali não tinha ladrão Disso o velho se orgulhava O capataz malicioso Foi quem armou o sarilho Deve ter sido o andarilho Que saiu meio fugido O patrão já enfurecido Na hora deu-lhe razão E pensou que a acusação Bem que fazia sentido Mandou encilhar o flete Não mateou com a peonada Pegou o rumo da estrada Com raiva e ódio no olhar Nada mais do que esperar Restava pra os que ficaram Alguns mais crentes rezaram Pro infeliz escapar Se soube tempos depois Que o patrão naquele dia Com toques de covardia Matara o pobre coitado Depois havia enterrado Numa simples cova rasa Que ao voltar pra casa A faca tinha encontrado O que está feito, está feito Não conserto ou remendo A estância toda foi vendo A cura de uma ferida Toda a peonada na lida Foi varrendo da memória A crueldade da história Que por fim foi esquecida Era um final de domingo Dez anos tinham passado Passou na cancela um pingo Num trote bem compassado Num basto vinha plantado Um moço desconhecido Barba e cabelo comprido Mas por demais bem pilchado Deu buenas pra peonada Já apeando do cavalo E num entono de galo Já enveredou pro galpão Mandou chamar o patrão Com jeito de quem governa E logo o peão bateu perna Sem fazer embromação Num passo meio cansado Chegou enfim o patrão E quando entrou no galpão Sentiu o sangue gelar Ficou na frente de um olhar Que era um prenúncio de morte Não chegou a ver o corte Nem a garganta sangrar Levaram o corpo pra casa Tentando em vão socorrer E aí não puderam ver Quando o moçito montou E levemente esporeou Convidando seu cavalo No mesmo entono de galo Que tinha quando chegou Foram anos de procura Sem saber notícia Até o chefe da polícia Desistiu porque cansou Mas segundo se apurou O tal moçito era filho Daquele velho andarilho Que um dia o patrão matou