Roberto Luçardo

Se Marx Fosse Peão

Roberto Luçardo


A estância se acordou
Em dia de  campereada
Chiando pelas cambonas
Pra se iniciar a mateada

De repente, um peão barbudo
Atando a segunda espora
Abriu a boca sisuda
Pondo os olhos campo a fora

E falou pros companheiros
De mesmo rumo e ofício
Numa tal de mais-valia
Falando em tom de comício

Contando um pouco de história
Revoluções, coisa e tal
Foi falando de trabalho
Propriedade e capital

Terêncio ficou sabendo
Com os óio arregalado
O que nunca, então, pensara
Todo o peão é explorado?

E aquele peão barbudo
Com a melena comprida
Foi falando, enquanto via
Toda a peonada reunida

A peonada leva a tropa
Pra morrer no matadouro
Esfola a bunda nos basto
O sol véio queima o couro
Mas o patrão barrigudo
É que embolsa todo o ouro

Se madruga todo dia
Pra laçá e curá bicheira
Se afunda os garrão no barro
Com essas vaca da mangueira
E o que nos sobra de tudo?
Só hemorroida e frieira

E ainda fazem rodeio
em nome da tradição
Os boi de língua de fora
Pra alegria do patrão
O que era duro ofício
Se transforma em diversão

E tem mais: a propriedade
Deve ser de quem trabalha
Quem sustenta a casa-grande
São nossos rancho de palha
Se a peonada joga truco
O patrão é quem baralha

Nisto, chega o capataz
Sempre de cara amarrada
O Carlos fica solito
Falando pra madrugada

E tem gente trabalhando
Sem ter carteira assinada!

Cada um pegou seu laço
Pra mais um dia de lida
O sol campeiro encilhou
A pampa verde estendida

E aquele peão, no outro dia
Pediu as contas, se foi
Tangendo um sonho distante
Ouvindo um berro de boi

Alguns dizem que o patrão
É que o botou porta a fora
Porque não tinha no lombo
As marcas da velha espora

E seguiu a velha estância
No mesmo tranco, afinal
Terêncio tirando leite
Nestor montando bagual

O patrão com a guaiaca
Forrada dos capital

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