Estou farto do fanatismo religioso Estou farto do futebol contagioso Estou farto da alienação dessa clausura Estou farto do pecado pela usura Estou farto do crescimento que se interrompe Estou farto do artista que se corrompe Estou farto desse sistema político Do esquecimento ao paralítico Estou farto desses versos tão adversos Estou farto do arquivamento desses processos Estou farto de tanto absorvimento De laranjas em cassações no parlamento Estou farto de um povo iludido Estou farto de um povo mudo e aturdido Estou farto da ave bala revivida De perfurações rasgando a vida Estou farto de ter nascido com tanta culpa Estou farto de ser só visto com uma lupa Estou farto de estar sempre à margem Estou farto da tarja preta na imagem Estou farto de favelas se multiplicando Das mãos, dos pés, da voz se mutilando Estou farto do samba, o carnaval o nosso ópio Por aliviar o nosso ódio Estou farto de tantas hipocrisias Estou farto da louvação das cervejarias Estou farto do erro coberto de sovas Estou farto de crianças nessas covas Estou farto de não ser largo nem fundo Estou farto deste latifúndio Estou farto desse mundo ébrio e caduco Estou farto desse impresente, esse infuturo Estou farto dessa cor opaca Estou farto desse verme que me ataca Estou farto de sobreviverem de mandacaru Estou farto da multiplicação de jeca tatu Estou farto dos puristas julgarem a minha escrita Estou farto dessa liberdade que se acredita Estou farto do engarrafamento aéreo Dos partidos políticos amarem esse critério Estou farto dos incentivos fiscais Estou farto do escravismo nos canaviais Estou farto dos meus poemas metrificados Estou farto dos meus versos petrificados Estou farto de meu lirismo comedido andando a esmo Estou farto de mim mesmo Refrão Estou farto, estou farto, estou farto