Certo dia cheguei no casarão Que outrora nasci e fui criado Avistei a virola de um arado E as argolas de uma arreação O chicote quebrado e o bridão E uma corda de couro que eu comprei Junto a uma forquilha solucei Por não ver nem papai e mãe querida Foi a hora pior da minha vida No alpendre da casa que morei Encontrei a esteira do jumento Um cambito, uma sela, uma cangalha Um lençol, uma rede, uma toalha Uma lata, um galão, um cata-vento A calçada de pedra com cimento E um pilão de aroeira que eu marquei Junto a mão de pilão com que pilei Milho seco no bojo do pilão Procurei esconder a solidão No alpendre da casa que morei Vi a maca do canto da fogueira O chiqueiro do lado do oitão Nessa hora lembrei-me do pião Carrapeta, bornal e baladeira Uma bica de pau de catingueira E um cortiço que um dia situei Uma abelha sequer não avistei Com os anos já tinham se mudado Só restava o cortiço pendurado No alpendre da casa que morei Fui olhar a forquilha do poleiro Bem juntinho à parede do açude Que foi feito na minha juventude Encostado à mangueira E o coqueiro Encontrei uma escada no terreiro Perto a canga do boi que eu amansei E a roupa de couro que eu usei Quando ia pro mato campear Chorei muito na hora de deixar O alpendre da casa que morei As aranhas descendo nos frechais Os morcegos no quarto de dormida Uma linha de sala demolida E as cisternas rachando as laterais Carregaram gamelas dos currais Nem um pau de porteira eu encontrei Um pedaço de um banco ainda achei Que quebrou devido à sua idade Quase morro chorando de saudade No alpendre da casa que morei Cabisbaixo sozinho eu recordava As antigas debulhas de feijão Brincadeiras jogadas no salão E os conselhos que minha mãe me dava As histórias que meu avô contava A escola que mais eu frequentei E até uma foto que eu tirei Lá na sombra do pé de angico torto Se saudade matasse eu tava morto No alpendre da casa que morei Uma banda do pote da biqueira Os pedaços dos lóros de uma cela Uma cilha quebrada sem fivela Enxadeco, chibanca e roçadeira Vendo aquilo senti uma tonteira Na parede pendida me agarrei No batente da porta me sentei Lamentando por causa da mudança Recordando meu tempo de criança No alpendre da casa que morei No alpendre da casa que vivia Me lembrei de meus manos e meus pais Lamparinas e lampião a gás Quando nem se falava em energia Onde havia leilão e cantorias E onde muitos amigos eu arrumei Ao lembrá-los confesso que chorei Recordando vizinhos e parentes Derramei minhas lágrimas trementes No alpendre da casa que morei