Miguel Bezerra e João de Oliveira

No Alpendre da Casa que Morei

Miguel Bezerra e João de Oliveira


Certo dia cheguei no casarão
Que outrora nasci e fui criado
Avistei a virola de um arado
E as argolas de uma arreação
O chicote quebrado e o bridão
E uma corda de couro que eu comprei
Junto a uma forquilha solucei
Por não ver nem papai e mãe querida
Foi a hora pior da minha vida
No alpendre da casa que morei

Encontrei a esteira do jumento
Um cambito, uma sela, uma cangalha
Um lençol, uma rede, uma toalha
Uma lata, um galão, um cata-vento
A calçada de pedra com cimento
E um pilão de aroeira que eu marquei
Junto a mão de pilão com que pilei
Milho seco no bojo do pilão
Procurei esconder a solidão
No alpendre da casa que morei

Vi a maca do canto da fogueira
O chiqueiro do lado do oitão
Nessa hora lembrei-me do pião
Carrapeta, bornal e baladeira
Uma bica de pau de catingueira
E um cortiço que um dia situei
Uma abelha sequer não avistei
Com os anos já tinham se mudado
Só restava o cortiço pendurado
No alpendre da casa que morei

Fui olhar a forquilha do poleiro
Bem juntinho à parede do açude
Que foi feito na minha juventude
Encostado à mangueira
E o coqueiro
Encontrei uma escada no terreiro
Perto a canga do boi que eu amansei
E a roupa de couro que eu usei
Quando ia pro mato campear
Chorei muito na hora de deixar
O alpendre da casa que morei

As aranhas descendo nos frechais
Os morcegos no quarto de dormida
Uma linha de sala demolida
E as cisternas rachando as laterais
Carregaram gamelas dos currais
Nem um pau de porteira eu encontrei
Um pedaço de um banco ainda achei
Que quebrou devido à sua idade
Quase morro chorando de saudade
No alpendre da casa que morei

Cabisbaixo sozinho eu recordava
As antigas debulhas de feijão
Brincadeiras jogadas no salão
E os conselhos que minha mãe me dava
As histórias que meu avô contava
A escola que mais eu frequentei
E até uma foto que eu tirei
Lá na sombra do pé de angico torto
Se saudade matasse eu tava morto
No alpendre da casa que morei

Uma banda do pote da biqueira
Os pedaços dos lóros de uma cela
Uma cilha quebrada sem fivela
Enxadeco, chibanca e roçadeira
Vendo aquilo senti uma tonteira
Na parede pendida me agarrei
No batente da porta me sentei
Lamentando por causa da mudança
Recordando meu tempo de criança
No alpendre da casa que morei

No alpendre da casa que vivia
Me lembrei de meus manos e meus pais
Lamparinas e lampião a gás
Quando nem se falava em energia
Onde havia leilão e cantorias
E onde muitos amigos eu arrumei
Ao lembrá-los confesso que chorei
Recordando vizinhos e parentes
Derramei minhas lágrimas trementes
No alpendre da casa que morei