Veja lá o voo da garça O voo lento O tempo: o tempo Amolecido, sem tensão O olhar voltado para o sul Sem saber que é o sul O vento, o perfume do campo, o peixe no bico Flutuar, flutuar Sem pensamento nenhum Sem pensamento nenhum O paraíso termina Ali onde começa o pensamento Por isso que os pássaros são ultraleves Planam lisos no lombo do tempo Pássaros são criaturas breves Não dão nem esperam por explicação Daqui a mil anos diremos que os pássaros tinham razão A casa deles é o mundo inteiro Para além do que alcança a visão Eles têm folga janeiro a janeiro Eles perseguem o verão Nos olham com precaução Pois somos aquilo que abrevia A sua estadia O seu intervalo do ninho ao chão Somos aqueles que têm peso De tantas coisas que temos E do tanto mais que queremos Acabamos colocando peso Nas asas de quem só quer voar Só quer voar Voa, pássaro, voa, vai Pra bem longe daqui Que não aprendemos a viver Nem a deixar viver Levaremos mil anos ainda para perceber Para aprender a ser iguais a você