Álvaro Gois, Rui Mamede, filhos de António Brandão, naturais de Cantanhede, pedreiros de profissão, de sombrias cataduras como bisontes lendários, modelam ternas figuras na lentidão dos calcários. Ali, no esconso recanto, só o túmulo, e mais nada, suspenso no roxo pranto de uma fresta geminada. Mas no silêncio da nave, como um cinzel que batuca, soa sempre um trucatruca lento, pausado, suave, truca, truca, truca, truca, sob a abóbada romântica, como um cinzel que batuca numa insistência satânica: truca, truca, truca, truca, truca, truca, truca, truca. Álvaro Gois, Rui Mamede, filhos de António Brandão, naturais de Cantanhede, ambos vivos ali estão, truca, truca, truca, truca, vestidos de sunobeco e acocorados no chão, truca, truca, truca, truca. No friso, largo de um palmo, que dá volta a toda a arca, um cristo, de gesto calmo, assiste ao chegar da barca. Homens de vária feição, barrigudos e contentes, mostram, no riso dos dentes o gozo da salvação. Anjinhos de longas vestes, e cabelo aos caracóis, tocam pífaro celestes, entre cometas e sóis. Mulheres e homens, sem paz, esgaseados de remorsos, desistem de fazer esforços, entregam-se a Satanás. Fixando a pedra, mirando-a, quanto mais o olhar se educa, mais se estende o trucatruca que enche a nave, transbordando-a, truca, truca, truca, truca truca, truca, truca, truca. No desmedido caixão, grande senhor ali jaz. Pupilo de Satanás? Alma pura, de eleição? Dom Afonso ou Dom João? Para o caso tanto faz.