José Afonso

Chamaram-me Cigano

José Afonso


Chamaram-me um dia   
Cigano e maltês   
Menino, não és boa rés 
Abri uma cova   
Na  terra mais funda
Fiz dela a minha sepultura 
Entrei numa gruta   
Matei um tritão  
Mas tive o diabo na mão 

Havia um comboio
Já pronto a largar
E vi O diabo a tentar
Pedi-lhe um cruzado
Fiquei logo ali
Num leito de penas dormi
Puseram-me a ferros
Soltaram o cão
Mas tive o diabo na mão 

Voltei da charola
de cilha e arnês
Amigo, vem cá outra vez
Subi uma escada
Ganhei dinheirama
Senhor D. Fulano Marquês
Perdi na roleta
Ganhei ao gamão
Mas tive o diabo na mão 

Ao dar uma volta
Caí no lancil
E veio o diabo a ganir
Nadavam piranhas
Na lagoa escura
Tamanhas que nunca tal vi
Limpei a viseira
Peguei no arpão
Mas tive o diabo na mão