Jorge Palma

Enquanto o Pau Vai e Vem

Jorge Palma


Conheci-te quando eras miúdo 
Tinhas olhos de gato e coração de leão 
Todo o tempo era pouco para viver o presente 
Quem é que vai dar pontapés no passado 
Ou mandar pedras para o futuro ? 
Quando a chama que arde lá dentro 
Chega para por o Mundo inteiro contente 
Mas depois vieram as paixões, as desilusões e os amargos de boca 
Vieram dias em que tudo corria mal 
E a atenção fugia e assim é difícil ter-se as contas em dia 
Esse mar de rosas tanto tempo navegado 
Transformou-se dia após dia num enorme temporal 

E enquanto o pau vai e vem 
A confiança vai esmorecendo 
E quando o pau é pontiagudo 
E traz um sopro lá dentro 
É o coração que vai cedendo 
E um dia os buracos já são tantos 
Que nem a melhor agulha os pode coser 
Não é o fim da picada, não 
É só mais um homem que vai morrendo 

Eu sei que tu tens coisas bonitas 
Para ofereceres à gente, se te puseres de pé 
Tens que estar à vontade dentro da tua pele 
Que até o melhor pintor faz borrada 
Se não cuidar bem do seu pincel 
Se não te sentires bem quando estás sózinho 
Como é que te vais sentir na presença dos outros ? 
E quando a verdade se torna uma obsessão 
Acaba por ser mentira 
E, às vezes, quem mais nos quer dar 
É quem mais nos tira 
O verbo é para ser conjugado com força, jeito e graça 
Tudo é relativo 
Nada é definitivo 
Tudo passa 

Eu sei que é difícil vermos bem 
Quando damos por nós no fundo do poço 
Mas porquê tornar pior o que já está mau 
Que é que adiantas em deitares-te a baixo ou lá quem está na mesma posição 
Tu sabes que no fundo és gentil 
Mas insistes em ser bruto e assim estás sempre a levar com o pau 

E enquanto o pau vai e vem 
A confiança vai esmorecendo 
E quando o pau é pontiagudo 
E traz um sopro lá dentro 
É o coração que vai cedendo 
E um dia os buracos já são tantos 
Que nem a melhor agulha os pode coser 
Não é o fim da picada, não 
É só mais um homem que vai morrendo