João Afonso

O Convidado

João Afonso


É verão no fim da tarde, ao canto das cigarras 
o chão é um vulcão adormecido 
delira um vaga-lume: há luz em Marte 
e o jantar ainda não foi servido 

Condensam gotas de água sobre o copo 
o pó afaga o brilho da mobília 
e pousa no retrato de família 

Protestam as fissuras do sobrado 
no rodapé descalço das andanças... 
chegou o convidado! 
chegou o convidado! 

Servida foi outra taça de vinho 
à mesa só ficou uma migalha 
no linho da toalha 

Resvala já o sol no horizonte. 
vencida sai a noite pela janela, 
duelo à luz da vela 

Já dormem as faianças na cozinha. 
apaga-se a mortalha no cinzeiro 
que bem que sabe o licor da madrinha 

O eco mede o espaço entre as lembranças 
e o tempo salta à corda do relógio 
do quarto das crianças 
no quarto das crianças