Entre a ponte e o lageado, na venda do bonifácio, conheci o tio anastácio, negro velho já tordilho; diz que mui quebra em potrilho, hoje pobre despilchado, de tirador remendado num petiço doradilho... Quem visse o tio anastácio, num bolincho de campanha, golpeando um trago de canha, oitavado no balcão, tinha bem logo a impressão, que aquele mulato sério era o rio grande gaudério fugindo da evolução! A tropilha dos invernos tinha lhe dado uma estafa, e aquela meia garrafa, dentro do cano da bota, contava a história remota do negro velho curtido que os anos tinham vencido sem diminuir na derrota. Mulato criado guacho nos tempos da escravatura, aquela estranha figura na vida passara tudo; ginetaço macanudo, já desde o primeiro berro saia trançando ferro no potro mais culmilhudo! Carneava uma res, num upa, com toda calma e perícia! reservado e sem malícia, negro de toda confiança, bem quisto na vizzinhança, dava gosto num rodeio, de pingo alçado no freio pealando de toda trança Tinha cruzado as fronteiras da argentina e do uruguai; andara no paraguai, peleando valentemente, e voltara, humildemente, como tantos índios tacos que foram vingar nos chacos a honra da nossa gente! Caboclo de qualidade que não corpeava uma ajuda na encrenca mais peleaguda sempre conservava o tino, garrucha boca de sino carregada com amor e um facão mais cortador do que aspa de boi brasino! Porém depois que os janeiros foram ficando a distância, andou, de estância em estância, e foi vivendo de changa: repontando bois de canga, castrndo com muita sorte, e, em tempos de seca forte, arrastando água da sanga... Ficou sendo um desses índios que se encontra nos galpões e ao derredor dos fogões fala aos moços, com paciência, de que aprendeu na existência, ao longo dos corredores, alegria, dissabores, curtido pela experiência! Tio anasstácio pra qui; tio anastácio pra lá... mandado mesmo que piá pôr aquela redondeza; nos remendos da pobreza, entrava e passava inverno, como um tronco so no cerno, pelegueando a natureza! Por isso é que nos bolinchos só se alegrava bebendo como se cada remendo da velha roupa gaudéria, fosse uma sangria séria por onde o sangue do pago se esvaisse, trago a trago, por ver tamanha miséria! E até parece mentira - negro velho de valor! morreste no corredor como matungo sem dono; não tendo neste abandono, ao menos um companheiro, que te estendesse o baixeiro para o derradeiro sono! E agora que estas vivendo na estância grande do céu engraxando algum sovéu prao patrão velho buenacho, não te esquece aqui de baixo onde alolargo ainda existe muito xiru velho triste como tu, criado guacho! como tu, tio anastácio... Trovador Negro Negro de sorriso claro, Como sinuelo de pampa, Que sintetizas na estampa Longínquas reminiscências; Negro que lembras dolências De alegrias e tristezas Que andaram nas correntezas Dos rios de muitas querências. Essa cordeona que abraças Com ciumenta intimidade, Traduz - na sonoridade, Quando teus dedos passeiam, Madrugadas que clareiam, Campos pelechando em flor, Chinocas pedindo amor E potros que corcoveiam. E quando a cordeona espichas Aberta - como prá um pialo, E o verso sai - de a cavalo, Sobre a cadência da nota, Tua mirada remota Se perde - coxilha acima, Como quem busca uma rima Sem saber de onde ela brota. Tu sim - és poeta - e o mundo, Prá ti - se torna pequeno. E nem mil poetas - moreno, Expoentes de Academia, Campereando - noite e dia, O vocabulário gasto Podem dar cheiro de pasto Como tu dás à poesia. Negro de sorriso aberto Como clarão de alvorada, Abre essa gaita aporreada, E canta - a mais não poder. Canta negro - até morrer, Com força de mil gargantas, Pois cantando como cantas Ninguém te iguala em saber.