Pobre borracho, ajoelhado No oratório do bolicho! Teu presente é como o lixo Que sobrou do teu passado Tens o futuro castrado De esperança e ilusões Te incorporaste aos balcões Das pulperias do pampa Se vives a meia guampa Encharcado de bebida É pra esquecer a caída Dessa outra bebedeira Que tomas, a guampa inteira No copo amargo da vida Mastigando o teu silêncio Como quem reza baixinho Vais garganteando aos pouquinhos Teu ato de contrição Feito de canha e limão Por monges de estranha cúria Nesta liturgia espúria Praticada no balcão Mas não tens quem te absorva Nem que ouça a tua reza Geralmente te desepreza A maioria, borracho E, assim, vais vivendo guacho De carinho e compreensão Mas eu te respeito, irmão Pois diz o velho ditado Que até Deus, penalizado Frente a criança e ao borracho Deus coloca a mão por baixo Todos nós somos borrachos A canha é que é diferente Eu conheço muita gente Que rola por este mundo Vivendo dramas profundos Embriagado de dor Outros, borrachos de amor Dão tudo, dão corpo e alma Vivendo a íntima calma Que só nos traz a bondade Alguns, ébrios de vaidade Bebem tragos de si mesmo E vão ostentando a esmo Garrafões de narcisismo Canha feita de egoísmo Indiferença e arrogância Outros, pobre ignorância Se embriagam de dinheiro E fazem da vida celeiro Para amontoar a riqueza Vivendo a extrema pobreza Da indigência espiritual Algum prefere o imortal Licor feito de esperança E a realidade amansa Bebendo ilusão e sonho E, por fim, nos vem tristonho Emponchado em desencanto Um que bebe o próprio pranto Destilado, com certeza Do alambique da tristeza Que bate no peito seu! Agora peço: Por Deus Bolicheiro do meu pago Venha no mais outro trago Que este borracho sou eu!