Fausto Bordalo Dias

Peregrinações

Fausto Bordalo Dias


Tristemente embarcados
Com rumo sem rota
Velejando no ar
Com grande medo levados
Em formosa frota
De casco a abanar
Rebentam as ondas gigantes
Coisas alucinantes
Quebra-mar quebra-mar
Uma prece na garganta
Nossa senhora santa
Almiranta
A vomitar a vomitar
Procurando novos mercados
Em nome de deus
Vai el-rei engordar
Como por nossos pecados
Desatinados às cegas
No escuro do mar
Salta um mostrengo barbudo
C'o peito peludo
A arrotar a arrotar
Nós senhores do barlavento
Ao leme gemendo
Tremendo
Ai! quem soubera nadar

E com a pressa que podíamos
Nós fizemos de volta
Esquecendo mercês
Se à vista daquilo que víamos
Nos tremiam as carnes
Nos dava a gaguez
Ao serviço de deus nosso senhor
Regressa assim teu esposo
Neste vento bonançoso
Meu lindo e ditoso amor
Confiado nesta promessa
Enganado nesta esperança

Mas o avarento agiota
Depressa nos manda
De novo embarcar
Banqueteados com muitos açoites
Ao longo da costa
Quem se há-de salvar
Tragam pimenta
A fazenda
A prata sangrenta
A rezar a rezar
Metam o turco a tormento
Fede a mafamede
Que fale
Onde fica o bazar
E assim fomos de atropelo
Sobre gente que não tinha
Em boa conta
O nosso apogeu
Nos merecia a latina cólera
Por zelo
Da honra de deus
Vivos lançados ao mar
Com um grande penedo
Ao pescoço
A afundar
Ouvem-se as gritas
Apupos
Dos turcos malucos
Eunucos
A atacar a atacar

E foram tantas as pedras
Os zargunchos as lanças
E as chuças
De arremesso sobre nós
Que fugíamos assaz
Com a pressa que podíamos
Depois de tanto pelejar
Ao serviçp de el-rei
Nosso senhor
Regressa assim teu esposo
Neste vento bonançoso
Meu lindo e ditoso amor
Confiado nesta promessa
Enganado nesta esperança

Foi-se o tempo passando
Da nau ao paquete
Lá vai portugal
Leva gente do arado
Peões e joguetes
Em calção colonial
Negro trabalha canalha
Que a tua mortalha
É este ultramar
Colhe matumbo o café
Que a gente tem fé
Chimpanzé
De lucrar e lucrar
Fomos misturando guitarras
Ao som do batuque
Bebendo maruvo
E num sentimento bizarro
Casando com a negra
Depois de viúvo
Estoira uma força gigante
Vermelha negra vibrante
A lutar a queimar
Liberta um povo oprimido
E perde o diamante
Purgante
Quem nos andou a mandar
E desmanchámos as casas
Tornámos de volta
Pobres numa muleta
Balbuciando estranhas palavras
Aka! que maka!!
Acabou-se a teta ao serviço de grandes senhores
Regressa de vez teu esposo
Neste vento bonançoso
Meu lindo e ditoso amor
Confiado nesta promessa
Enganado nesta esperança