César Oliveira e Rogério Melo

Relato Do Índio Bochincheiro

César Oliveira e Rogério Melo


A gaita empeçava um choro
num floreio debochado
o baile tava enfezado
china, cachaça e namoro
quando se ouviu um estouro
bem no meio do salão
apagaram o lampião
e um teatino gritou: jogo!
e saltou cuspindo fogo
já manoteando o facão

ninguém sabia quem era
nem tão pouco de onde veio
boi-ta-tá de algum rodeio
alma de alguma tapera
ou talvez quem sabe um cuéra
com fama de cabortero
quem sem rumo e paredeiro
se perdeu na volta feia
pois a vida é uma peleia
que nos torna bochincheiro

Foi marcada por desgraça
aquela maldita noite
ninguem esquece o açoite
daquela rusga machaça
templada pela fumaça
e pelo estouro dos ferros
contra-punteando com os berros
dos que apanhavam de graça

A vida muy poco vale
les digo nesse relato
mas quem tem corpo de gato
mostra que tem credenciales
se apotra entre os baguales
que só dependem da sorte
quando a incerteza da morte
se acolhera a outros males

Foi ai que o índio touro
mostrou ter parte com o diabo
agarradito no cabo
de um facão marca besouro
quando largava de estouro
o coração dava um pulo
e as vez largava de culo
cortando por desaforo

O choro do chinaredo
e o alvoroço dos machos
evocaram anseios guachos
e perpetuaram segredos
pois entre a raiva e o medo
sempre hay algo que atormenta
pois muita gente sustenta
o peso daquela carga
lembrando da noite amarga
inté a alma se lamenta

O sangue frio e a coragem
e os olhos incandescentes
demonstravam que o vivente
era mais do que um selvagem
que só tinha por bagagem
a própria estampa de guapo
mescla de bugre e farrapo
qua acha a vida uma bobagem

E assim se foi como veio
quando saltou porta afora
quem a tantos ignora
faz parte de um mundo alheio
então pensando eu creio
porque não seria o cuéra
alma de alguma tapera
boi-ta-tá de algum rodeio