Cavatti

Era Uma Conversa Entre Peixes

Cavatti


Nadar
As águas turvas do meu lar
Não tenho medo ao respirar
Às vezes até falta um ar
Mas não tem nada com o que se preocupar

Nadar
Viver um tanto longe do mar
Como será que deve ser por lá?
Acordar, comer e acasalar
Não deve ser nada diferente
Pra se preocupar

Nadar
Encontrar os amigos
Antigos conhecidos
Até o vi o seu João
Olá, compadre, como vai?
O tempo parece tão bonito
Céu azul turquesa e limpo

O acúmulo das ganâncias
Estocadas em uma lama
Pastosa e ferrosa
Empaladas nos corpos
De guerreiras e guerreiros
Retirados de seus postos
Forçados a levar uma vida sem querer
Forçados a lavar suas peles sem poder
Forçados a varrer suas casas sem as ter
Forçados a viver a mercê
Da injustiça esverdeada pelas notas coloridas
Recheadas de animais que se extinguem por aí
Das tartarugas que não desovam mais
Das garças que pousam sobre os lixos manguezais
Das araras que não podem mais revoar
Dos micos sem árvores pra subir
Das onças sem patas pra caçar
Das garoupas que não tem mais rios pra submergir

É mais uma barragem que estoura
E pra mim tá tudo bem
É mais um coração que chora
E pra mim tá tudo bem
É mais um rio que se deflagra em sangue marrom pelo mar
E será que pra mim está tudo bem?

Eu ainda sentado
Estupefato
Como meu frango grelhado
Tenho a roupa e meu sapato
Tenho um pai pra me amar
Estudei em escola particular
E tô cheio de informação pra compartilhar
Mas nada, nada, nada
Me faz tirar a inércia desse meu lugar

Apesar dos pesares
Represas continuarão a quebrar