Ao Cubo

Edvaldo 3

Ao Cubo


Procuraram Vitória até dez dias e foi
Encontrada com uns ferimentos graves depois
Dona Vilma pranteou
Lamentou, a filha na colisão
Perdeu a visão
Ficou cega, sem boi
E enterrou Ernesto o pai de Vitória
Seu esposo morto
Com o rosto exposto
Só o resto
Viúva e pávida
Sem lenço
Sem documento
Sem luva e grávida
Sem o calor de seu preto
A vergonha persegue
E a serve de graça
Fracassa
Sozinha e ainda ela sonha
Se arrependi por inteiro
E declara ao carteiro
O seu grande amorpanheiro
Em casa sem cerimônia
Carteiro dos infernos?
Imundo, complexo
Tirou a pureza de Vitória
Violou seu sexo
Vilma sem chance
Gestante
Fugiu
Mas voltou
E mandou
A menina pra casa do tio
Vitória generosa
Benévola
Perola
Anjo com aureola
Bondosa um xodó
Amava a chuva
A lua
Pegava animaizinhos na rua
Levava pra casa da vó
A lembrança é madura
Insegura
Sofreu quase tudo na vida dura
E venceu os tabus
O ódio perdeu
Ela viu a mão de Deus
Mesmo com olhos que não olham, ela viu uma luz

Pois nasci e nunca vi o amor
E ouço dele sempre falar
Pelo que sei ele é eterno
Mas rogarei ao meu Senhor
Que me mostre o tal amor
E me ampare de toda dor

A filha tranquila
Já com a família
Em Goiás
E seu irmão Edvaldo
Em São Paulo
Logo atrás
Sem respaldo dona Vilma
Jogou o menino Silva
Num buso
Confuso
Clandestino no Braz, normal
Parou em outro rumo
Como um intruso
Terminou no interior
Perdido
Mas não chegou
Na capital
Se perdeu tentando se achar
No centro-oeste
Jura!
Caminho com as canela
Oferece até a sepultura
As sete chaves
Só no cafundó
Perambulando
Procurando
Sua família em algum mocó
Edvaldo
Com saldo
Dá sorte no vermelho
Viajou por toda parte
E foi a Marte
De joelho
Até que: Ei moço! Tava te esperando, já vai começar a reunião
Sente vivo
Protegido
Por um laço
Nunca vai se esquecer da voz chamando
Moço (Ei moço! Você de costas)
Quando molhou o rosto
E chorou em pedaços
Da sensação daquele abraço
Daquela noite
Que o arrebatou-te
Como se fosse a expressão mais doce
A alma iluminada
Com o seu melhor sorriso
As nuvens derramavam
Gotas do paraíso ao léu
Declarou aos quatro ventos
E a moça dos panfletos
Que era filho do Senhor
Imperador dos Céus
Aquela voz arenosa
Recorda sua história
Aquele semblante
Marcante
Encontrou Vitória

Pois nasci e nunca vi o amor
E ouço dele sempre falar
Pelo que sei ele é eterno
Mas rogarei ao meu Senhor
Que me mostre o tal amor
E me ampare de toda dor

Vitória sorria
E só via por tato
Apalpava textura
Brochuras
Ouvia passos
Ruídos e ecos
Efeito cortina
Sua retina
Sem serventia
Olhos de boneco
Edvaldo concerta seu mundo
Com martelo e prego
Endireita sua sombra
Seus sonhos, seu credo
Seu espírito cresce
E fortalece como árvore
Decidido e forte na palavra ou no mármore
De volta pra vida
Com endereço e família
Da casa é devoto
Do mesmo modo que respira
Emprestava seus olhos
Pra ver mais filmes no cinema
E recitava poemas
Era como ela lia
Com olhos cedidos
Emocionados cheios d'água
Por Vitória dava a vida
Dava a vista
E declarava
Onde estiver estarei com você prezada irmã
Sangue do meu sangue te amo e sou seu fã
Te dou minha amizade e o meu ombro
Tudo em dobro
Meus sentidos
Meu infinito
E te dou meu amanhã
E num exame de rotina
Retira a retina
Olhos castanhos com um pouco de lágrima
E miopia
E ele com dois lotes sem córnea
Ou pupila
Arranca se mutila
Por ela
Edvaldo
Com um sorriso solar
Singular
De prazer chegou no lar
Queria ler, e Vitória leu Salmo
O Senhor é minha luz e a minha salvação; a quem temerei?
O Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei?
Salmo 27.1
Pois nasci e nunca vi o amor
E ouço dele sempre falar
Pelo que sei ele é eterno
Mas rogarei ao meu Senhor
Que me mostre o tal amor
E me ampare de toda dor

A quem temerei? O Senhor é a força da minha vida
Salmo 27.1b
Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo
À sombra do Todo Poderoso descansará
Salmo 91. 1