Antonio Nóbrega

Viagem Maravilhosa

Antonio Nóbrega


Nosso brasil,
Acompanhe a minha idéia,
Foi atlantida e pangéia,
Um sertão que já foi mar.
Já foi rodínia,
Foi panótia e gonduana,
Era belo e bacana
Antes de cabral chegar.

Também foi ilha
Do brasil, de são brandão,
Vera cruz, nome cristão
Trazido do além-mar.
Foi pindorama,
Foi terra de santa cruz,
Papagalis, meu jesus,
Depois de cabral chegar.

Este país
Te tesouros, tem arcanos,
Tem mais de trinta mil anos
De histórias pra contar.
São trinta mil
Em que o índio te vez,
Quinhentos que o português
E o negro chegaram cá.

Aí, um dia,
Eu senteda na cadeira,
Um estalo-de vieira
Clareou a minha mente.
Eu percebi
Que tinha de procurar
Descobrir e encarar
Minha terra e minha gente.

E sem demora
Minha burra eu selei,
Pus um cabresto e montei,
Pus espelho e um radar.
Pus uma bússola,
Astrolábio e luneta,
Diário, mapa e caneta,
E falei: ´vou viajar´.

E mesmo antes
Do sol, do cantar do galo,
Do sino bater badalo,
Eu saí pelo caminho...
Os cascos dela
Velozaes matraqueavam,
Pareciam que estavam
Tocando ´brasileirinho´.

Cavalgar, cavalgar
Eu cavalguei.
No páis dos brasileiros
Conheci o mundo inteiro
E por ele eu passeei.

No meu galope,
Mais ligeiro que um corisco,
Eu cruzei o são francisco,
Mergulhei no iguaçu.
Fui despertar
No sol da zona da mata,
Vestido de ouro e prata,
Dançando maracatu.

Passei por todas
As ladeiras de olinda,
E muita morena linda
Ainda se lembra de mim...
Cantei seresta,
Tirei verso na ciranda,
Toquei tuba em uma banda,
Na outra toquei flautim.

No meu caminho
Enchi o brasil de pernas,
Até chegar nas cavernas
Da gruta de maquiné.
Voltei de lá
Com um papiro na mão,
Trazendo a decifração
Dos segredos de sumé.

Eu vi xamãs
Dominando tempestades,
Cavando sete cidades,
Separando marajó...
Vi o profeta
Puxando com sua cruz
Cada órfão de jesus
Que cruzou cocorobó.

Cavalgar, cavalgar
Eu cavalguei.
No páis dos brasileiros
Conheci o mundo inteiro
E por ele eu passeei.

Fiz um almoço
Lá no ´buraco da jia´,
Começou ao meio-dia
Terminou pela manhã:
Cuscuz com fava,
Bode assado, dobradinha,
Macaxeira com farinha,
Codorniz e ribaça.

Bolo de milho,
Marisco no vinagrete,
Feijoada com croquete,
Quitute e baião-de-dois.
Comi de tudo
Sem pressa, sem me cansar,
Só para me preparar
Para o que vinha depois...

Arroz-de-polvo,
Risoto de camarão,
Maionese e macarrão,
Salpicão, frutos do mar,
Feijão-macassa,
Galinha de cabidela
E um bife de panela
Bem leve, pra descansar.

Um ensopado
De carne com batatinha
Feijão-verda e farofinha,
Sanduiche de peru.
Pra terminar
Um conhaque, um cafezinho,
Mais um cálice de vinho
E três de pitu.

Cavalgar, cavalgar
Eu cavalguei.
No páis dos brasileiros
Conheci o mundo inteiro
E por ele eu passeei.

Porém um dia
Eu cruzei em meu caminho
Com um cavalo-marinho
Que era gêmeo com o meu.
Puxei a rédea
Fiquei olhando pra ele,
Ele achou que eu era ele,
Eu achei que ele era eu.

Nesse momento
Mais um galope se ouviu,
Outro cavalo surgiu
Passando perto da gente.
Uma figura
Semelhante e parecida,
Mas como tudo na vida
Tinha algo diferente.

E mais dois outros
Chegaram no mesmo instante,
E logo mais adiante
Outro ainda apareceu.
Eu que pensava
Que era único no mundo
Encontrei num só segundo
Muitos outros como eu.

Saí puxando
A cavalhada marinha,
Parecia idéia minha,
Parecia carnaval.
Fomos dançando
Na ponte do arco-íris,
E quando eu rodei o pires
Apurei quase um real.

Eu virei noite
Galopando esse país,
De metrópoles febris
E esquecida imensidão.
Vi a coragem
De quem enfrentou a morte,
Vi um vento lá do norte,
Vi a vela em minha mão.

Vi uma luz
Branca, azul, aparecida,
E uma mulher parecida
Com aquela lá do céu.
Vi tantas luzes
Que lembrá-las é revê-las,
Tantas luas e estrelas
Entre as rendas do seu véu.

E da mão dela
Uma luz se projetava,
E essa luz me apontava
Uma tróia no sertão.
Uma muralha
Dentro dela uma cidade,
Fora dela a crueldade,
A morte e a escravidão

Era o quilombo
Lá na serra dos palmares,
Erguendo alto nos ares
A bandeira de zumbi.
Saltei da burra,
Devagar fui caminhando,
Me cheguei, fui escutando
O que acontecia ali.