O frio era tão intenso que os cachorros não dormiam Na maior zona, a noite inteira latiam Uivavam, brigavam, talvez pra se esquentar Meu Deus, faça essa noite logo passar De manhã não existia bom dia meu filho Saia cedo sem sentir o gosto do trigo Quase não tinha mais forças, nem pra estudar Será que a hora do recreio nunca vai chegar? Muita ideia rolava naquela cabeça Uma mensagem em seu caderno, não se esqueça Um homem vale os cavalos que tem Agora e na hora de nossa morte amém Em sua infância nunca teve privilégio Sua mãe um sonho se formar e ser um médico A vida com o tempo te entregará o seu diploma Antes que entre em coma Perguntou à professora sobre sua cor Por que riem do negro? Responda por favor! Vamos mudar de assunto, não insista! A professora vagabunda também era racista Mas uma vez entre a cruz e a espada Em sua casa muita fome, a escola é uma piada Sinal pro recreio e ele se levanta afoito, menino cachorro doido Seu apelido era esse, mexia em lixeiras Não perdia de quinta a domingo na feira Verduras frutas estragadas em sua casa Entregues à sua mãe, a janta vai ser preparada Ele não tinha mais pesadelos com o bicho papão O seu quimera era a fome que arrochava irmão Mesmo sem estudo, o seu futuro ele via Ou a morte, ou a cadeia, vixi Maria A sua força de vontade era imensa, sua vontade de viver era intensa Não morrer como alguns que conheceu, desigualdade, hip-hop sexo e violência Com 15 anos era muito respeitado, odiava pilantragens, safados Um pouco de estudo que tinha mais a mente aberta Pensava em união mais alerta Ele era um exemplo para seus amigos Nunca usou drogas, eu não recrimino Mas não aceitava aquilo em sua comunidade Será que Zumbi pensava assim nessa idade? Lutava contra isso em seu colégio, seu próprio irmão não suportou aquele tédio Picadas em sua veia, foi pro espaço, um abraço Não derramou nem uma lágrima em seu enterro A pobre mãe corria de um lado pro outro no terreiro Fortaleceu a vontade de ajudar sua família, por dentro ele sentia Sua mãe, agora assim desgostosa da vida, passou de alcoólatra à suicida Corta os punhos em seu barraco Uma cena assombrosa eu relato Cachorro doido com o pouco dinheiro que tem Não dava pra pagar o enterro, amém Nunca queremos que aconteça com a gente, sua mãe foi enterrada como indigente Agora só em seu barraco vazio, o silêncio cobre todos os buracos Nunca pensou em sua vida ficar sozinho Sentia falta de sua família pouco carinho Vivendo entre malucos nunca arrebentou Com 18 uma nova família formou Ensinar a seu filho como é a vida, sem verduras estragadas, sem feridas Em sua filha pôs o nome de sua mãe Continuando a vida, a divisão dos pães Vai dar em dobro o carinho que não teve quando era menino (O futuro que fiz é você Como foi? Só eu sei) Vivo o mundo sub-mundo onde moro Agradeço a Deus os filhos que adoro Não deixe que eu morra sem ajudá-los, é a única coisa que eu imploro