Zeca Baleiro

Desesperança (Sobre Poema De Sousândrade)

Zeca Baleiro


Eu queria ter os lábios sábios
E poder saber dizer palavras belas
E como um pintor achar, prender as cores
Entre flores luminosas, amarelas

Eu queria ser só ritmo e som
Ouvir a clara, lúdica música das esferas
E matar os medos na raiz
E feliz cantar rondós sem dor
Depois de ter domado as feras

Eu queria poder rir e celebrar o amor
Beber, brindar à vida
Esquecer a funda ferida
Só por um segundo
Crer que enfim o mundo
É um lugar gentil
Pros meus, pros seus
Eu queria que Deus acordasse
Do seu sono profundo

Ó tarde dos meus dias!
Ó noite da minha alma!
A vida era tão calma
Aqui na solidão!
Ó tarde dos meus dias!
Ó noite da minha alma!
A vida era tão calma
Em paz na solidão!

Eu queria que o amor
Significasse mais que amor
Somente uma palavra bela
Que vaga ao relento
Nos sonetos, guetos da poesia, romances na tela

Ser afeito ao afeto, farto, forte, franco
Repleto de emoções sinceramente sentidas
Viver todas as vidas com a intensidade
De mil corações

Para além deste comércio infecto
De tatos, gostos e olfatos
Esse teatro pífio, ímpio, falho, tosco, triste
Queria gritar o grito que existe
Silenciado na garganta

Enquanto a alma canta
Por todo gesto gasto e terno
Que quer o eterno éden
Neste inferno idem
Tola vida em suma, vida uma
Coisa alguma sem nenhuma
Mínima chance de redenção

Ó tarde dos meus dias!
Ó noite da minha alma!
A vida era tão calma
Aqui na solidão!
Ó tarde dos meus dias!
Ó noite da minha alma!
A vida era tão calma
Em paz na solidão!

Ó tarde dos meus dias!
Ó noite da minha alma!
A vida era tão calma
Aqui na solidão!
Ó tarde dos meus dias!
Ó noite da minha alma!
A vida era tão calma
Em paz na solidão!