Vitorino

Adeus Fado Pessoa

Vitorino


O tempo que hei sonhado 
quantos anos foi de vida! 
Ah, quanto do meu passado 
foi só a vida mentida 
de um futuro imaginado! 

Aqui à beira do rio 
sossego sem ter razão. 
Este seu correr vazio 
figura, anónimo e frio, 
a vida vivida em vão. 

A´sp´rança que pouco alcança! 
Que desejo vale o ensejo? 
E uma bola de criança 
sobe mais que a minha ´sp´rança 
rola mais que o meu desejo 

Ondas do rio, tão leves 
que não sois ondas sequer, 
horas, dias, anos, breves 
passam - verduras ou neves 
que o mesmo sol faz morrer, 

Gastei tudo que não tinha. 
Sou mais velho do que sou, 
a ilusão, que em mantinha, 
só no palco era rainha: 
despiu-se, e o reino acabou. 

Leve som das águas lentas 
gulosas da margem ida, 
que lembranças sonolentas 
de esperanças nevoentas! 
Que sonhos o sonho e a vida! 

Som morto das águas mansas 
que correm por ter que ser, 
leva não só as lembranças, 
mas as mortas esperanças - 
mortas, porque hão-de 
morrer. 

Ondas passadas, levai-me 
para o olvido do mar! 
Ao que não serei legai-me 
que cerquei com um andaime 
a casa por fabricar.