Vinícius Terra

Eles Não Sabem a Minha Língua

Vinícius Terra


Eles não sabem, não sabem a minha língua
Eles não sabem bem qual é a minha língua
Eles não sabem bem qual é a minha língua
Do criolo da Guiné ao kibundu de Cabinda
Eles não sabem bem qual é a minha língua
Eles não sabem bem qual é a minha língua
Eles não sabem bem qual é a minha língua
Do criolo da Guiné ao kibundu de Cabinda

É, eles não sabem a minha língua
Tua ventura nessa área já é um trajeto à míngua
E antes que se extingua, ou mesmo que insista
Este aqui é o meu setor, tanto que gritam, terra à vista!
Eu vi, muita gente confundir o preço e o valor
Eu vi, muita gente esquecer a história pela cor
Eu vi, muita gente aproveitando a vida alheia
Eu vi, muita gente sufocar-se na própria teia!
E o que tive que passar pra escrever isto aqui pra você?
Quantos passos pra trás pra chegar onde se vê?
Quantos me passaram para trás pelo vício de se ter?
E o que tive no passado? Futuro do presente do querer, é!

Eles não sabem, não sabem a minha língua
Não, a minha língua, vai vendo!
Eles não sabem, não sabem a minha língua
Não tão ligado, à minha língua!

Eles não sabem, não querem, não falam, nem procuram saber
Raso querer, preguiça de ser
Melhor não se envolver!
História falha. Glória em tempos de cólera
Ambição é culpa, falsa vitória! Olha
Noix aqui hackeando o processo
Pelo seu tropeço atravesso, regresso ao acesso (chora!)
Exprimo o impresso, imprimo o expresso, ora
Pois, ponha mais geopolítica nesse teu plano vazio (retórica oratória)
Porque isso aqui
Não é diss, cypher, treta, beef, egotrip, vê se me erra!
Problema não é tropeçar, mas se apegar à pedra
Porque há uma linha tênue entre briga, luta, cobiça, disputa
Eu busco alma nessa vida puta!

[AZAGAIA]
Eles não sabem bem qual é a minha língua
Do criolo da Guiné ao kibundu de Cabinda
Misturado com versos de Camões
Até a Europa quando ouve sabe que o Azagaia vinga!
Quando cospem o seu rap revolucionário
Não entendem porque a África é que escreveu o dicionário
E se mandarem pra América outro Cristóvão Colombo
Vamos tirar-lhe a língua pra se falar num quilombo

[VINICIUS TERRA]
Quilombo, silêncio do justo, grito de abusos
Somos caçadores de nuvens caçados por tempestades
Vultos, de outras gerações, respeito, alteridades
É a voz, suspiro
É o susto das autoridades
Plano em curso, realidade
Dispenso o luxo, amenidade
Devolvo o voto, envolto devoto
Sustento habilidade
Tua vulnerabilidade? Mas é preciso despistar fantasmas
Estender a mão àqueles que travam estacas!

[Mynda Guevara]
Ez ka sabi nha língua ma esten gana sabi
Decifra nha mensagem poi cabeça ta reagi
Nkre obiu ta grita, Guevara, Guevara!
Ku nha spada na mon bu podi kre ma nka ta para
Eleva nha cultura mano em cada som
Obi Mynda, maz um bez na mas um colaboraçon
Tuga e Brasil odja nos union
Nos humildade eh porta aberto pa revoluçon!

[DEXTER OITAVO ANJO]
Ah, sai da frente que agora é cum nois memu
As cartas desse baralho estão cheias de veneno
Por vocês eu seguiria outro caminho, não o meu!
Seria apenas mais um, sem expressão, um ateu!
Sem fé no impossível, espírito pobre, baixo nível
Vivendo sem eira nem beira de maneira indescritível, mas não!
Corri atrás, fiz a minha, estudei
O hip-hop foi a chave mestra, me eduquei!
Superei, aprendi, também errei, mas corrigi
Ao contrário do seu desejo, aí, hoje eu tô aqui!
Na maior, firmão, fortão, guerreiro nato e assim
Também hoje sou a extensão de Martin Luther King
Tenho sim desejo de paz como Azagaia, Guevara e Terra
Mas não se iluda, também tô preparado pra guerra!
Me tornei um cavalo selvagem, te decepcionei
Você não sabe a minha língua, né?! Mas a sua eu sei!

Então calaram a voz e a vez do cantador
Só que de tempos em tempos alguém abre a boca pra reclamar a fome e a dor!
É nessa hora que a língua chora a palavra
É o contrafluxo, do superstrato, de quem a calava!
E se calhar, Tá mais que apalavrado
A língua é uma cigana que deitou-se com um favelado
Aí, já era, meu parça! No coração da América do Sul aos portos de África
O sangue azul latim fundiu-se ao vermelho Índia-páprica!
Esquinas, becos, Manuel de Barros, Mia Couto, Pepetela, Gregório de Matos
Saramago, Cachaça, Cartola, Bocage
Moraes, Melo Neto, Ferreira Gullar, Ondjaki
Gil Vicente, Castro Alves, Luaty, Agualusa, Pessoa, Drummond
Tantos poetas, Evoé, oxalá, outro som
Cena que acena nas vozes dos surdos
Habilidade é conteúdo, legitimidade contém tudo, versos, contem tudo!
O progresso estará longe enquanto formos ilhas distantes, livros em estantes
Brindes de stands, estandartes não pensantes
Instantes inconstantes na seca de nós mesmos
Desertos, miradouros, mirantes errantes, paragens e pontes a esmo
E que o mesmo semblante seja o sangue semelhante
É, isto aqui é uma língua!