É noite Noite lenta no meu quarto Uma sombra vagueia na névoa do meu olhar Sou eu e não sou que estou aqui O corpo dormente O sangue que freme Já nem sei se morri Ou se é apenas a vontade de estar vivo Que me obriga a ficar aqui A viver aqui A prosseguir. Onde estão esses primeiros dias Essa glória encantada Esse riso solto de companheiros As mulheres que foram amadas, Que é feito do seu destino Fora do meu destino? Perdi-me Perdemo-nos E o tempo não deixa de queimar, de marcar, de nos afastar Para os guetos da sobrevivência. Do céu ao inferno Pode ser assim Do céu ao inferno Sem sair daqui. É vaga a ideia do que bebi Onde estive, com quem estive A euforia termina assim No desígnio acidental de um beco sem saída Um crash suicida A morte que nos convida para o banquete da culpa Da farsa Do falhanço Das noites sem descanso e sem sorte De um dia vazio E à noite o frenesim de animais em pleno cio Consumidores de algo diferente De algo maior Mais longe Mais depressa Maior pedra Maior foda Mais do que ele Mais do que tu A doença de estar na moda é a única prova Que este implacável e pequeno mundo aceita. Do céu ao inferno Pode ser assim Do céu ao inferno Sem sair daqui. Para onde foram esses primeiros e melhores dias Essa velocidade estonteante de situações e promessas Que acreditei nunca acabar Esse saborear até meio Para outro saborear? Do Céu Ao Inferno é um passo No ritmo mórbido do fracasso Esta noite que já é dia em agonia Manhã de náusea cozida Despertar seco sem saliva, sem corpo Estou pronto Para me abandonar... Do céu ao inferno Pode ser assim Do céu ao inferno Sem sair daqui.