Tamara Franklin

Estupro

Tamara Franklin


Gestos cortam minha pele e eu fechando meu corpo,
Em vão serpenteando, aguando o gosto.
Tento manter a calma, pra não ficar mais fraca.
O sol fica vermelho, faz minha luz opaca.

Minha saia sob o céu, meu olho a marejar, entre a morte e o mar, meu peito a trovejar.
Minha saia sob o céu, meu olho a marejar, entre a morte e o mar, meu peito a trovejar

Eu dizia que não, ele insistia
Eu trancava o portão, ele invadia
E jurava paixão…
Eu gritava mas ninguém me ouvia
Eu chamava Senhor, Santa Maria, Compaixão.

Eu dizia que não, ele insistia
Eu trancava o portão, ele invadia
E jurava paixão…
Eu gritava mas ninguém me ouvia
Eu chamava Senhor, Santa Maria, Compaixão.
Tem compaixão, tem compaixão!

Eu senti medo e frio, 
puta que pariu,meu mundo caiu, finge que não viu , 
Cláudia arrastada pela viatura

Ela tinha nome, tinha filho, filha
tinha uma família,
mas sentiu a ira 
e seu sangue clama nas ruas,

Pede justiça, e eu só peço misericórdia, 
de quem são as balas que mataram Marielle?”

Eu sei quem tá comigo, nos chamam de bandidos
mas vão ser feridos com o mesmo ferro que ferem.

Tudo o que eu sinto é ódio.
Eu , Mama África, 
A felina indomável que corria pelos campos.
Logo eu aqui, docilizada sob o corpo tingido do colonizador.

E ele gozou, sem dó e sem dor, 
enquanto eu voltava de ônibus do meu trabalho.
Meu tio passava a mão nas minhas pernas, 
eu tinha 8 anos.
Ele era grande e forte, 
e por isso eu presumia que não deveria reclamar.

Desde 1500 o gosto ainda é o mesmo, 
invadem seu terreiro,
sequestram seu povo
metem no seu corpo e te levam pra prestar serviço indébito.

Dos navios negreiros ao "gostosa" que eu ouço
enquanto eu caminho insegura pelas ruas,
perguntando a Deus 
“o que fiz pra merecer esse castigo?”

me sentindo culpada ao olhar no espelho
medindo o tamanho do meu próprio short ,
tentando ser forte 
e rezando pra hoje ter sorte

Entre os que me gritam tesão e os que declaram paixão
eu peço a Deus pra ter compaixão 
porque estupro não tem nada a ver com sexo,

é uma questão de dominação,
Herança da colonização.
“Índias” e pretas te contariam com muita precisão
que de um estupro nasceu o Brasil, “nossa nação”.