Sérgio Ricardo

Ponto de Partida

Sérgio Ricardo


Não tenho para a cabeça 
Somente o verso brejeiro
Rimo no chão da senzala
Quilombo com cativeiro, olerê
Não tenho para o coração 
Somente o ar da montanha
Tenho a planície espinheira 
Com mão de sangue, façanha, olerê, olará
Não tenho para o ouvido 
Somente o rumor do vento
Tenho gemidos e preces
Rompantes e contratempo, olerê, olará, olerê, lará

Tenho pra minha vida 
A busca como medida 
O encontro como chegada 
E como ponto de partida

Não tenho para o meu olho 
Apenas o sol nascente
Tenho a mim mesmo no espelho 
Dos olhos de toda gente, olerê
Não tenho para o meu nariz 
Somente incenso ou aroma
Tenho este mundo matadouro 
De peixe, boi, ave, homem, olerê, olará
Não tenho pra minha boca
Sagrados pães tão somente
Tenho vogal, consoante
Uma palavra entre dente, olerê, olará, olerê, lará

Tenho pra minha vida 
A busca como medida 
O encontro como chegada 
E como ponto de partida

Não tenho para o meu braço 
Apenas o corpo amado
E assim sendo o descruzo na rédea
No remo e no fardo, olerê
Não tenho para a minha a mão 
Somente acenos e palmas
Tenho gatilhos e tambores
Teclados, cordas e calos, olerê, olará
Não tenho para o meu pé 
Somente o rumo traçado
Tenho improviso no passo 
E caminho pra todo lado, olerê, olará, olerê, lará

Tenho pra minha vida 
A busca como medida 
O encontro como chegada 
E como ponto de partida.