Sérgio Godinho

O Meu Compadre

Sérgio Godinho


O meu compadre 
Que é rico, disse-me: 
Tira os olhos do chão 
Aceita o meu concelho 
Não aceites derrotas 
Tira os olhos do chão 
Tira os olhos do chão 

E eu respondi 
Ó meu amigo, ó meu palerma 
Se eu tenho os olhos no chão 
Não é por estar derrotado 
É pra ver o caminho 
E é pra ver o que calco 
Que eu não ando nas nuvens 
A pisar pó de talco 
A pisar pó de talco. 

Vamos, vamos, vamos 
Tomar cuidado 
Com promessas assinadas 
Em papel molhado 

O meu compadre 
Que é rico, disse-me: 
Eu cá sou democrata 
Cumprimento as vizinhas 
Como pão e sardinhas 
Até as como da lata 
Que eu cá sou democrata. 

E eu respondi: 
Ó meu amigo, ó meu cretino 
Democratas assim 
Tem a gente de sobra 
A vender a banha de cobra 
E a afinar o latim 
Pela nota corrente 
E pela nota de mil 
Democratas assim 
Há até dois no Brasil 
Há até dois no Brasil 

Vamos, vamos, vamos 
Tomar cuidado 
Com promessas assinadas 
Em papel molhado 

O meu compadre 
Que é rico disse-me: 
Somos todos irmãos 
Que é que interessa eu ser rico 
Não faz mal tu seres pobre 
Somos todos irmãos 

E eu respondi: 
Ó meu amigo, ó meu hipócrita 
Se somos todos irmãos 
Diz-me então onde andavas 
Quando, algemas nas mãos 
A gente pagava as favas 
Por só querermos ser gente 
E como gente falar 
Diz-me de que lado estavas 
Antes disto mudar 
Antes disto mudar 

Vamos, vamos, vamos 
Tomar cuidado 
Com promessas assinadas 
Em papel molhado.