Sérgio Godinho

Um Caso Fatal

Sérgio Godinho


É a mais pura verdade 
o caso que eu vou contar 
quem quiser pode nem acreditar 

Se bem que, aviso já 
mentiroso, eu não sou 
quem quiser pode ir lá ver, que eu não vou 

De mais a mais porque é 
que eu havia de ir ver 
o que já lá vi com estes dois 
por quem sois 
crêde em mim 
vou contar-vos enfim 
o tal caso verdadeiro 
aí vai, tim-tim por tim-tim 

Verdadeiro e não só 
posso chamar-lhe atroz 
este caso que me estrangula a voz 

Não penseis que exagero 
não julgueis que é demais 
e que abuso de pimentas e sais 

Não, bem pelo contrário 
a minha musa indigente 
nem sequer está à altura 
e faz figura bem triste 
mas bom, já que se insiste 
estou disposto a revelar 
no que este caso consiste 

Ora bem, foi assim 
este caso fatal 
que foi p´ra pior 
depois de estar mal 

Não me lembro da hora 
nem se era noite ou dia 
só sei que algo no ar se pressentia 

E os pressentimentos 
são a modos que mosquitos 
a esvoaçarem no ar 
esmagar 
dois ou três 
se alivia o freguês 
não anula o problema 
nem o resolve de vez 

Então seguiu-se o resto 
do que estava p´ra vir 
nem vos conto, p´ra vos não combalir 

Foi um "vê se te avias" 
um vai-vem muito louco 
um toma-lá-dá-cá e fica com o troco 

Teve um pouco de tudo 
e foi pouco pró que teve 
sem ter mais nem porquê 
já se vê 
que foi de esfola-gato 
este caso que no meu modesto verso relato 

Bem, e agora que já 
estais familiarizados 
com o assunto 
seus assins e assados 

E que tendes presente 
a complexidade 
de apartar de mexerico a verdade 

Podereis ter ficado 
com a estranha sensação 
que eu nada disse, e porém 

Também muitos doutores 
falam bem, fazem flores 
mas não dizem nada, nada 
ao discursar: Meus senhores