Belo Gavião leva esta carta p´ra além do Marão Meu amigo Manuel como vai Trás-os-Montes quase um mês, o tempo voa como vai a tua mãe, o teu pai teus irmãos, diz quando voltas pra Lisboa tua irmã ainda escreve essas frases bonitas que li num caderno assim: "Quem era eu sem a vida que era a vida sem mim" Quando foi que escrevestes já sei, foi pra longe já lá vão quase dois anos Trás-os-Montes não via detrás das paredes nem cheirava ares transmontanos eles: porta fechada eu: a abrir tua carta e uma frase a brilhar, e eu li: "Que eras tu sem a noite que era a noite sem ti" Quando vieres para baixo vê lá, tem piedade da fome do teu amigo já aí vi feiticeiras rodando o suíno traz uns enchidos contigo em Lisboa, quisera eu comer uma alheira que dê pra cantar assim: "Que era eu sem a vida que era a vida sem mim" E ao chegarmos ao fim de um jantar bem regado que o vinho, esse, eu ofereço línguas soltas, não vai ser difícil lembrarmos de tudo desde o começo veloz foi a viagem, a raiva a risada, a energia uma vida, enfim "Que era eu sem a vida que era a vida sem mim" Viemos aqui parar capital do Império de trás de todos os montes e o império desfeito, viemos provando água de todas as fontes e a amizade é por certo a que sempre bebemos do trago mais longo, assim "Que era eu sem a vida que era a vida sem mim"