Sérgio Godinho

Os Hinos

Sérgio Godinho


Os hinos são frutos perversos 
crescendo no ramo dos versos 
roubando o vento e a luz à folha 
os hinos cegam quem os olha 

Adoradores do sangue, sempre 
os hinos bebem quem os cumpre 
quantos sentidos tem a palavra 
que o hino tomou por escrava 

Beijou-me bem, matou-se a esmo 
e o hino é sempre o mesmo 
sempre o mesmo 
beijou-se forte, matou-se feio 
e o hino sempre de permeio 

Choro por mim aos pés da forca 
e o hino fala-me da dor que há 
maior que a minha, melhor que a vida 
e a morte vem despercebida 

E se houver quem desta paz se farte 
irmãos, irmãos, hinos à parte 
lá vêm músicos, lá vêm letristas 
divulgarão novas conquistas 

Beijou-me bem, matou-se a esmo 
e o hino é sempre o mesmo 
sempre o mesmo 
beijou-se forte, matou-se feio 
e o hino sempre de permeio 

Se cada igreja tem seu sino 
se cada pátria tem seu hino 
que fazem dentro das sepulturas 
versos e sons e partituras? 

Épicos de todo o mundo, uni-vos 
fazei dos hinos pregões vivos 
fazei dos hinos perdões aceites 
em cama onde não durmas não te deites 

Beijou-me bem, matou-se a esmo 
e o hino é sempre o mesmo 
sempre o mesmo 
beijou-se forte, matou-se feio 
e o hino sempre de permeio