Sérgio Godinho

Os Afectos

Sérgio Godinho


Ah, quanta mágoa repetida 
Ah, quantos sonos incompletos 
Mas oh, quanta palavra tomou vida 
Na nascente dos afectos 
Desorganizados alfabetos 

Não sabe ler neles quem pensa 
nem lhe conhece bem as cores 
quem por secundários os dispensa 
aos afectos medidores 
do corpo e da alma e seus sabores 

Porque o quadrado da hipotenusa 
é igual a já não sei quê dos catetos 
a traça do passado é tão confusa 
mas tão límpida a lembrança dos afectos 
são fartos e temíveis 
são as cordas sensíveis 
quietos irrequietos 
p´ra sempre 
politicamente incorrectos 
os afectos, os afectos 

Era de uma espécie quase extinta 
foi encontrada adormecida 
a cara talvez em paz, talvez faminta 
esperando a investida 
de um só beijo que a devolva à vida 

Já que se pede ao amor loucura 
não se lhe dê veneno à flecha 
nem triste pecado à mordedura 
abre o pano e até que fecha 
o amor busca nos afectos a deixa 

Porque o quadrado da hipotenusa 
é igual a já não sei quê dos catetos 
a traça do passado é tão confusa 
mas tão límpida e lembrança dos afectos 
são fartos e temíveis 
são as cordas sensíveis 
quietos irrequietos 
pra sempre 
politicamente incorrectos 
os afectos, os afectos