Sérgio Godinho

O Charlatão

Sérgio Godinho


Numa ruela de má fama 
faz negócio um charlatão 
vende perfumes de lama 
anéis de ouro a um tostão 
enriquece o charlatão 

No beco mal afamado 
as mulheres não têm marido 
um está preso, outro é soldado 
um está morto e outro f´rido 
e outro em França anda perdido 

É entrar, senhorias 
a ver o que cá se lavra 
sete ratos, três enguias 
uma cabra abracadabra 

Na ruela de má fama 
o charlatão vive à larga 
chegam-lhe toda a semana 
em camionetas de carga 
rezas doces, paga amarga 

No beco dos mal-fadados 
os catraios passam fome 
têm os dentes enterrados 
no pão que ninguém mais come 
os catraios passam fome 

É entrar, senhorias 
a ver o que cá se lavra 
sete ratos, três enguias 
uma cabra abracadabra 

Na travessa dos defuntos 
charlatões e charlatonas 
discutem dos seus assuntos 
repartem-se em quatro zonas 
instalados em poltronas 

P´rá rua saem toupeiras 
entra o frio nos buracos 
dorme a gente nas soleiras 
das casas feitas em cacos 
em troca de alguns patacos 

É entrar, senhorias 
a ver o que cá se lavra 
sete ratos, três enguias 
uma cabra abracadabra 

Entre a rua e o país 
vai o passo de um anão 
vai o rei que ninguém quis 
vai o tiro dum canhão 
e o trono é do charlatão 

Entre a rua e o país 
vai o passo de um anão 
vai o rei que ninguém quis 
vai o tiro dum canhão 
e o trono é do charlatão 

É entrar, senhorias 
a ver o que cá se lavra 
sete ratos, três enguias 
uma cabra abracadabra