Sérgio Godinho

Emboscadas

Sérgio Godinho


Foste como quem me armasse uma emboscada 
ao sentir-me desatento 
dando aquilo em que me dei 
foste como quem me urdisse uma cilada 
vi-me com tão pouca coisa 
depois do que tanto amei 

Resgatei o teu sorriso 
quatro vezes foi preciso 
por não precisares de mim 
e depois, quando dormias 
fiz de conta que fugias 
e que eu não ficava assim 
nesta dor em que me vejo 
de nos ver quase no fim 

Foste como quem lançasse as armadilhas 
que se lançam aos amantes 
quando amar foi coisa em vão 
foste como quem vestisse as mascarilhas 
dos embustes que se tramam 
ao cair da escuridão 

Resgatei o teu carinho 
quatro vezes fiz o ninho 
num beiral do teu jardim 
e depois já em cuidado 
vi no espelho do passado 
a tua imagem de mim 
e esta dor em que me vejo 
de nos ver quase no fim 

Foste como quem cumprisse uma vingança 
que guardava às escuras 
esperando a sua vez 
foste como quem me desse uma bonança 
fraquejando à tempestade 
de tão frágil que se fez 

Resgatei o teu ciúme 
quatro vezes deitei lume 
ao teu corpo de marfim 
e depois, como uma espada 
pousei na terra queimada 
o meu ramo de alecrim 
e esta dor em que me vejo 
de nos ver quase no fim.