Sérgio Godinho

Até Domingo Que Vem

Sérgio Godinho


Nunca vivi nada em vão 
cada qual sabe do que tem 
ninguém pertence a ninguém 
seja inimigo ou irmão 

Seja inimigo ou irmão 
temos a nortada na pele 
a discutir do farnel 
já se perdeu muito pão 

Já se perdeu muito pão 
e as bocas ainda a sonhar 
a ver esperanças no ar 
quando há certezas no chão 

E para aqui estamos em salamaleques 
a lamber mãos feitas para abanar leques 
a pedir bis, a gritar bravo, 
a aplaudir, muito bem 
e até domingo que vem 

Nunca vivi nada em vão 
vi muita palavra tornar-se 
em tante gente em disfarce 
e em muita boca traição 

E em muita boca traição 
e em cada de nós um olhar 
se nos vierem falar 
sabemos quem eles são 

Sabemos quem eles são 
como quem sabe de si mesmo 
o medo, a vida desfez-mo 
a letra me tomarão 

E para aqui estamos em salamaleques 
a lamber mãos feitas para abanar leques 
a pedir bis, a gritar bravo, 
a aplaudir, muito bem 
e até domingo que vem 

Sabemos já d´antemão 
quem nasceu p´ra viver de luto 
a flor de Junho dá fruto 
o homem sozinho é que não 

O homem sozinho é que não 
que diga quem quase morreu 
a perguntar "quem sou eu" 
e a viver da solidão 

E a viver da solidão 
fomos pouco a pouco fazendo 
a nossa cova no vento 
abrigados num caixão 

E para aqui estamos em salamaleques 
a lamber mãos feitas para abanar leques 
a pedir bis, a gritar bravo, 
a aplaudir, muito bem 
e até domingo que vem.