Há cento e oitenta dias Num sono profundo Profundamente em paz Não de quem dorme Nem de quem morre Mas apenas está Apenas está uma das metades Num descanso horizontal E a outra metade Numa ausência mortal Há cento e oitenta dias Que me chamam de vegetal Há cento e oitenta dias Com a merda do cheiro a hospital À minha volta a dor Daqueles que por amor Não perdem a esperança Como a de uma criança Que à lua quer chegar Há cento e oitenta dias a hibernar Valerá a pena despertar A realidade terei de enfrentar A realidade de quem acabou de matar Apaguem as máquinas Arranquem os fios Assim como eu arranquei A minha própria vida Não carregarei nos ombros O peso duma alma perdida Apaguem as máquinas Arranquem os fios E neste último dia serei um cobarde Um cobarde que teve o que merecia Apaguem as máquinas Arranquem os fios Apaguem as máquinas Arranquem os fios Há cento e oitenta dias a hibernar Valerá a pena despertar? A realidade terei de enfrentar A realidade de quem acabou de matar