Os bafos quentes nos bueiros já escapavam na noite Quando o exército maléfico emergia pro açoite Das piscinas, banheiros, poças, pneus e mangues Se alastrando em sua ávida procura por sangue E pelos poros da cidade, suas janelas e frestas Infestaram os lares portando as suas moléstias E seus bicos agulhentos, sanguinários e potentes Sorveram nossos plasmas indiscriminadamente Mesmo à noite, ainda assim o calor me devora Por isso ao me cobrir deixo minhas pernas pra fora Pra que o sono seja plácido e os suores amenos O mosquito maldito não esperava por menos Ergueu seu voo bizarro na escuridão fervilhante Pra seus mil olhos terríveis, pouca luz era abundante Orientou seu voo caótico a meu pé descoberto Enquanto eu dormia profundamente boquiaberto Na manhã seguinte não me demorei a notar Quando a chanha pestilenta começou a coçar E eu cocei, cocei demais até não poder mais Mas em nada aplacou aquela coceira voraz Eu preciso parar de coçar a minha picadura Então fui me apercebendo, e me causou estranheza Que no lugar da picadura havia certa aspereza E a derme, antes macia, agora estava endurecida Protuperturbadamente quente doente e escurecida E enquanto aquele tom de cinza escuro aumentava A coceira insuportável na minha pele piorava E animada por irreprimível força interna A minha mão ia coçando pé, dedos, calcanhar e perna Pensamentos, sentimentos, tudo o que há em mim se entrega Pra essa tentação horrenda de manter o esfrega-esfrega E seu prazer doentio inundou minhas veias Enquanto a ferida aberta ficava cada vez mais feia Distraído na sanha hedônica de minha coceira Não me dei conta do avanço da pústula carniceira Quando olhei minhas pernas tinham aspecto esquisito Eu percebi que estava me transformando em um mosquito Eu preciso parar de coçar a minha picadura E um medo desvairado me emergiu das entranhas Ao me deparar com aquelas pernas pra lá de estranhas Corri desesperadamente pra me olhar no espelho E enxerguei duas longas pernas cada com três joelhos A coceira mais intensa do que nunca se alçava A meu torso e meu corpo já inteiro coçava Minhas mãos frenéticas iam para trás e para frente Roçando no meu couro cada vez mais rígido e quente Entumecido e enlouquecido de uma paixão delirante Eu fui sendo tomado por um calor sufocante E minha boca seca, cada vez mais sedenta Foi cedendo a uma vontade contumaz e virulenta Enquanto isso uma figura monstruosa me olhava Do outro lado do quarto apavorada e com raiva E outras mil surgiram, todas iguais a ela Eu aflito e agônico me joguei da janela Eu preciso sair pra caçar Pelas ruas pelas ruas Para me alimentar