Comerei de tudo que vier Inteiro, queimado, rasgado em pedaços Comerei sardinha o jesuíta, sem tempero sem farinha Comerei textos perfeitos, refeitos e vulgares Sãos inúteis, sagrados e profanos, contos cultos, suburbanos Matarei a anorexia, viverei a favor da bulimia Secos, enxutos e molhados Todo tipo de lembrança do passado de gregos romanos e troianos Tarsila e Amaral, Lobo Mario e Andrade Comerei a memória destes mortos depois vomitarei tudo que eu comi Comam agora tudo o que foi feito Comam agora tudo que fizeram Comam agora tudo que eu fiz A herança deixada pelos negros a cultura disseminada pelos brancos A orelha cortada de Van Gogh, as mãos crucificadas de um homem Comerei em churrasco de domingo os restos dos livros de Alexandria Comerei o Brasil colônia, império, república e ditadura Arrotarei a vergonha do meu povo a descarada face da política O dinheiro lavado em guardanapos que enxugaram a boca Dos famintos que comeram os restos que sobraram Comerei as memórias do passado depois vomitarei tudo que eu comi Comam agora tudo que eu fiz Comam agora tudo fizeram Comam agora tudo o que foi feito