Vovó me conta uma história E ela se comoveu Disse que pela idade Viu mais flores do que eu Viu negro na senzala Sai livre em seu caminho Viu Sacadura voando Junto de Gago Coutinho Com as mãos se fez costureira Com ela compôs seus versos Com as mesmas mãos cozinheira Fez-se também companheira No olhar um calmo brilho Com mais brilho a cada afeto Amou com a mesma ternura Os filhos, depois os netos Não quis falar-me das guerras Pra não ficar magoada Nunca mais olhou as flores Depois de despetaladas Virou-se então na cadeira Largou no colo o crochê E perguntou-me o menino Pra que madrugar, pra que? Contei-lhe então uma história E ela então se comoveu Vovó ninguém nesse mundo Mais triste do que eu Feriu o dedo no fio Dos olhos de uma menina Deixei um rastro que marca A cada passo uma rima As mãos que trago ocultas Nos bolsos, já passageiras Vó não são operárias São simples mãos violeiras Não quis falar-lhe das festas Nem dos momentos sutis Se essas são minhas flores São flores que eu nunca quis