Um dia eu vendi o meu cavalo Foi num domingo, nessas voltas de rodeio Eu garboso, bem faceiro Vinha com o pingo à lo largo! Me ofereceram um trago, e seguimo ali proseando Logo vieram ofertando uns troco no meu picasso Era lustroso o bagual! Calmo como chirca em barranca! Mansidão não há quem compra, disse um velho paisano Largaram uns troco no pano E de primeira eu refuguei Depois logo pensei Hão de cuidar do meu pingo; eu nunca fui de apego O meu rancho é a solidão! Ainda dei um xergão, e vendi o meu velho amigo Quando voltava pras casa já meio curando trago Fui lembrando das andança que fizemo pelo pago! Lembrei até d'uma noite que se fomo numa barranca! Por causa de uma potranca O picasso enlouqueceu Depois obedeceu, e voltou à compostura! São coisas da criatura, da natureza do bicho Eu sei bem como é isso Comigo se assucedeu Mas eu já tinha vendido, nada mais adiantava A vida continuava. Quantos já venderam cavalos? Uns bons, outros malos, mas é coisa da tradição Depois pegamo outro potro, domamo, e mais um tá pronto Prás lide de precisão E assim se passaram os anos, e nunca mais vi o picasso Mas ainda tinha lembrança, dessas festa campeira Debaixo de uma figueira Nós posamos prum retrato Eu virado só em dente Tamanha felicidade! E ele bem alinhado, como o pescoço arrolhadado Mostrando garbosidade E o tempo foi passando, eu segui domando potros Mas um deu pior que o outro Nunca mais tirei pra laço! Lembrava do meu picasso Manso e bom de função Trazia ele na mão, nunca me refugou! Desde o dia que chegou, potranco, bem ajeitado Se acostumou do meu lado, vivendo ali no galpão A vida é cerca tombada Quando se sente saudade, dói uma barbaridade! O coração em segredo, às vezes, marca no peito Qual roseta nas virilha Não fica bem pra um farroupilha Ter saudade de um cavalo Que jeito se vai chorar, e são coisa de índio macho Sentimento é um relaxo Difícil de aquerenciar Mas o tempo vem solito, não traz amadrinhador Num da desses de inverno Juntando geada no pala Eu vinha nos corredor, pensando nas coisas da vida Foi quando vi um cavalo, magro, ali atirado Junto à cerca caída Fui chegando mais pra perto, daquele couro jogado Os olho, perdido e triste Me perguntei Qual existe gente mala nesses mundo Pra atirar assim um crinudo Pra morrer à própria sorte? Pedi licença pra morte e me cheguei sem alarde Eu não creio em divindade, mas o milagre aconteceu Ali na beira da cerca, quando me olhou com tristeza Na hora tive a certeza Que aquele pingo era meu Levei ele pro meu rancho tratei, curei os bichado Dei bóia e fique do lado Até ele melhorá! Perdão, meu picasso amigo, agora ficas comigo Não te vendo nunca mais Por mim pouco importa Se já não me serves pra lida Aqui será tua vida Até o dia de morrer Talvez, não tenha perdão Sofreste em outras mãos o que fiz naquele dia Te vendi por alguns trocado Um amigo não tem preço O que fiz, foi judiaria Nunca mais vendo cavalos