Ranfo

Misericórdia

Ranfo


Pode entrar!
Deixe o sapato no tapete
Respeite o meu palacete
Não me venha bagunçar
Tem visita que só chega no horário do almoço
Você só chega no horário do jantar

Tudo bem, senta aqui
Uma sopa saborosa já vai sair
Tudo que foi morto tá dentro do caldeirão
Hoje a gente come a morte sem passar tribulação

Como assim? Do que tu tá falando?
Falando assim, eu vou virar vegano!
Até parece que você tem consciência

Comendo todo dia um prato de pura inocência
Mas meu amor!
Ele não sentiu nenhuma dor
Isso o que tu pensa
Porque tu não sente dor, né?

Em um animal também não se bate nem com uma flor
Tortura e sofrimento dentro do teu congelador

Acredite

A fábrica tá lotada mas isso não da ibope
Quem nascer hoje na granja
Me desculpe, tá sem sorte
O porquinho tão fofinho
Que acabou de nascer
A mãe dele já foi morta
E você pagará pra ter

A galinha tinha
Centenas de amigas
Antes da vaca morrer
Perdeu a mãe e muitas primas
Só pra tu sobreviver
Se alimentando de injustiça
Eles nem pensam em vingança
Pois eles não tem malícia

Sempre tem nas prateleiras
Muitas carnes pra vender
Eles são fabricados pra morrer
Como pode um ser humano
Amar apenas outro ser humano
E passar a vida toda
Agindo como um desumano

É muita imprudência meu amor
Fingir que eu acredito nessa letra de horror
E tu acha que eu ligo?
Eu já tô acostumado
Letra de paixão é luxo
E de sexo é pecado

Piedade entre os humanos
Isso se tu for capaz
Misericórdia com todos
E também com os animais

Pois você, você vai morrer também
Imagine-se sendo comido por alguém
A dor que você iria sentir
(E você entendeu, não misture o fim)