Uma doida em Soledade No fim do ano passado Deu um grito tão danado Que abalou a cidade Um leão quebrou a grade Saiu da jaula e correu Um barrão endoideceu E um véi caiu da sacada Por causa da barulhada Do grito que a doida deu O padre Manoel Gaspar Dava um sermão bonito Mas quando escutou o grito Correu doido do altar A freira correu pra um bar Pediu cachaça e bebeu Depois caiu e morreu Com a mão virada pro norte Por causa do som tão forte Do grito que a doida deu O senhor José Maria Era o doutor delegado Ficou muito agoniado Correu da delegacia Os presos que ali havia Um por um escafedeu E o sargento Romeu Filho de seu João de coco Ficou maluco e moco Com o grito que a doida deu No hospital São Vicente O medico se agoniava E a toda hora chegava Carro com gente doente De tanto atender gente O medico adoeceu A enfermeira pendeu Rodou e caiu no chão Por causa do barulhão Do grito que a doida deu Ficou a cidade escura Pois toda lâmpada quebrou O comercio se fechou Por ordem da prefeitura Um engenho de rapadura Nesse dia nem moeu E quem tava lá correu Que o pé batia na bunda Devido à zoada imunda Do grito que a doida deu A cidade ficou cheia De animal atordoado Correndo pra todo lado E a coisa ficou feia Com trinta léguas e maia Muita gente ensurdeceu E o prefeito Bartolomeu Vendo a barbaridade Decretou calamidade Do grito que a doida deu E no infeliz momento Que o grito ela soltou De repente endoidou Burro, cavalo e jumento Com esse grito nojento Até pedra amoleceu Trinta cachorros morreram E um gato não ficou A cidade desertou Com o grito que a doida deu Severino aleijado Correu nu só de cueca Seu Raimundo era careca Mas ficou arrepiado Tinha um mudo sentado Na calçada de Abreu Mundo desde que nasceu Mas nesse dia falou E disse eita que horror O grito que a doida deu Caçaram a doida danada Para fazer um estudo Mas a doida vendo tudo Correu louca em disparada Entrou na mata fechada Nunca mais apareceu A cidade estremeceu E ficou se balançando Até hoje está zoando Com o grito que a doida deu