Hermanos dão-me licença Como Cristo para santa Que hoje o finado trançudo Canta, recanta e descanta Por haver amanhecido Com canários na garganta Do que faço com a guitarra Nem um outro se aproxima Ronpo as cordas de uma a uma Indo de baixo pra cima Depois de cinco rompidas Fico harpejando na prima A guitarra meus amigos É a mulher em miniatura Tem o boleado das ancas E o estreito da cintura Canta, cala, ri e chora Como qualquer criatura Por isso me sinto macho Com a guitarra nos braços Com ela falam meus dedos Tocando cordas e traços E dela tiro os remédios Pra me curar dos puaços Me perco pelas bonitas Mas não tremo pelo feio Já briguei com lobisomem Num pelado de rodeio E do couro do medonho Fiz um cinchão pros arreios Por bueno me considero Na dura lida campeira Já saquei couro de touro Num só golpe de açoiteira E fiz cair quero-quero Num tiro de boleadeira Cavalos de minha encilha Sou eu mesmo quem educo Conhecem covas de touro E ninhos de tuco-tuco E correm mais que uma bala Cuspida por um trabuco Para contar uma tropa Dentre os de lei me destaco De riba de uma tronqueira Dou um vistaço no rastro Somo o desenho dos cascos E depois divido por quatro Nasci de corpo fechado De lombo liso e sem dobra E até de mim tenho medo Quando o sangue me desdobra Se uma cruzeira me pica Fico eu e morre a cobra Se o céu me cair por cima Nem me bate a passarinha Chairo a faca e faço um rombo Sem dor nem ladainha Saio de baixo pra cima Pro lado que Deus caminha Quem nasceu de queixo roxo Por valente se requinta É o caso deste que canta E não há quem lo desminta Num saco lonca de tigre Sem antes cortar-lhe as pintas O rastro ninguém me enleia Nem nunca pedi socorro Tenho o faro de um paqueiro E as contra-voltas do sorro Que pro causo é um bicho esperto Cruza de lobo e cachorro Conheço o rengo sentado E o cego quando dormindo Sanga cheia não me ataca Passo por baixo me rindo Quando o alarife vem perto Há muito que já vou indo Entro na perna do pato Saio na perna do pinto Do preto faço a brancura Do branco faço o retinto E do sereno da noite Um litro de vinho tinto Quando adelgaço meus pingos Deixo a força e tiro a graxa Do verde faço o maduro Dum prego faço uma taxa Em tempo de chuva grande Faço o rio voltar pra caixa Sou meio Deus, meio diabo Meio herege, meio santo Sou reza, sou impropério Sou berro e sou acalanto Mas sou eu de alma inteira Na tradução do meu canto Por não lamber o que cuspo A prova lhes ofereço Do inteiro faço a metade Da metade faço um terço Do terço, o quarto e o quinto Despinto e desapareço Do terço, o quarto e o quinto Despinto e desapareço