Pedro Ortaça

Milonga do Pajador

Pedro Ortaça


Milonga do Pajador

Venho do fundo da história que foi escrita por mim 
No repicar do clarim da luta emancipatória 
Reprisando a trajetória dos velhos tebas guerreiros 
De romances galponeiros com legendas e amarguras 
De dia bebo lonjuras, de noite apago o luzeiro 

Sem nunca ter pouso certo, parador, patrão nem dona 
Me estendo sobre a carona  o pingo pastando perto 
Que a atração do campo aberto não há ninguém que resista 
E o pajador nativista que o céu inspira e acalma 
A querência dentro da alma e o mundo a perder de vista 

E a própria estrela boieira que me guia e me desperta 
E quando a saudade aperta a guitarra companheira 
Faz da milonga campeira o mundo ficar pequeno 
E como contra-veneno da mágoa que me acompanha 
Bebo graxa de picanha com salmoura de sereno 

As vezes quem nada tem é aquele que melhor vive 
Quantas fortunas eu tive sem nunca ter um vintém 
Amando e querendo bem sempre no maior empenho 
E de nada me abstenho quando a incerteza me assalta 
E até mesmo o que me falta, faço de conta que tenho 

Pajador que trás de infância esta bárbara tendência 
De ir de querência em querência, e andar de estância em estância 
Sempre olfateando a distância os mil sonhos que extraviei 
Por onde andarão não sei no sem fim do céu e o pasto 
Mas hei de encontrar o rastro dos versos que não cantei 

Um dia quando eu me for rumbeando a querência eterna 
Onde bolearei a perna diante do meu criador 
Não chorem ao pajador do velho pago florido 
Que há de cantar comovido até o último repuxo 
Porque só em nascer gaúcho vale a pena ter nascido.