Nove leitos de hospital, Paredes e rostos alvos... ...E o cristo crucificado, Olhando - compadecido - Aquele arrastar de cruzes De miséria e de doença... ...Restolhos de tempo antigo Naquele quarto de dores. Pinga o soro endovenoso Em contraponto ao gotejo De uma sonda intra-uretral... - Eu pareço um surrão furado, Água que botam por riba Sai dereto lá por baxo! E um xistoso e dolorido Sorriso, de meia-boca, Aviva o rosto do abel. Aquele corpo que outrora Soube agüentar muita lida De cercado, de mangueira E de lombo de cavalo, Hoje afocinha no pasto - No sobre-lombo de um pealo - De oitenta anos bem postos Que a vida, porteira-a-fora, Vem lhe ajeitando a mangueada - Costeada da “tar da prosta” - Direito à cruz de pau-ferro, Na costa de uma picada. - Por que é que o tar Deus dos branco Faiz isso co´os negro véio?... ...Por que é que a morte não veio No estôro duma rodada?... - E aquela tropa morruda Que nóis atiremo n´água No passo dos enforcado - Camaquã de gaio-a-gaio - E o meu gateado cabano Se entregô pra correnteza... ...Não fosse a cola dum tôro Que me cruzô no costado!... - Por que é que o tar Deus dos branco Não me feiz essa gauchada?... - Morrê não é o bochincho!... ...Morrê sozinho é que é! - Não tive fio o muié Que me ajudasse estas hora. - E essa mardita demora Em dá co´a cola nas pedra! - E o neto do patrão véio, Que hoje trabaia no povo, Nessa tar de capitar... ...Quando guri, só andava Grudado na mi´as bombacha... ...Por que é que tempo não acha Pra vê os que le pertence?... - Moça, óia aqui... ...O meu braço tá inchando!... A enfermeira...contrariada Com a pouca remuneração, Sem a menor caridade Ou compaixão ao seu próximo, Ainda xinga o negro velho Quando a agulha sai da veia. - Quem será que vai cevá O mate do meu patrão?... - Quem será que vai ficá I'm riba do fogo grande Pra não dexá isfriá as marca Nos dia de marcação?... - Quem vai insiná os negrinho Como se encia um cavalo?... - Quem vai descascá marmelo E mexê tacho de doce No calorão do verão?... - Quem vai mostrá pros mais novo O rasto da capinchada E o sinar das resbalada Nas barranca dos arroio?... - Quem vai insiná os negrinho A pialá de bolcado?... - Quem vai desfazê os mandado Quando a tormenta se enfeia?... - Quem vai - de garganta cheia - Cantá um chote bem marcado, Fazendo viola e costado Pra cordeona botoneira?... - Quem vai contá pros negrinho Do tempo em que o avô deles Boleava toro aragano, Das gadaria bagual?... - Quem vai mostrá pros mais novo, Ou pros criado no povo, Que home e cavalo novo Se conhece pelos óio?... - Tá na hora do remédio, Abre a boca, seu abel! - Isso é amargo como um fel... ...Se, ao menos, viesse um mate!... E um sol ilumina o rosto Desbotado e descarnado, Num sorriso de alegria, Que há muito já não saía Da boca do negro velho. - Trouxe um mate tio abel... ...Custei um pouco, mas vim... ...Acaso o senhor achava Que o seu negrinho mimoso Não ia deitar o toso Pra cuidar do negro velho? - Acaso o senhor pensava Que o seu negro não lembrava Daquele tempo passado, Quando só andava grudado Nas dobras da sua bombacha? - É certo que lhe agradeço Por me ensinar o que sei... ...E se achei rumo na vida Sei de pronto, e com certeza, Que é por saber com clareza: Trago na alma a firmeza Que dos antigos herdei. - Agora sim, Deus dos branco, Que o meu negrinho já veio!... ...Agora esse negro véio Pode morrê descansado!... ...Que os tempo não são os mesmo E os home tamém não são!... ...Mas quem plantô bem-querença Nos cercado da amizade, Colhe amor e leardade Nas safra do coração!