Minha gente, minha gente Eu sei ocultar meu pranto Não pense que estou contente Quando na viola canto Pois tá pensando o contrário Eu canto é como o canário Preso na sua gaiola Tô cansado de dizer Que se viver é sofrer Eu já passei da bitola Se no mundo toda gente O povo mau e o distinto Cada um conta o que sente Eu quero contar o que sinto Meu sofrimento é sem fim Eu tenho dentro de mim Uma sodade arranchada Tão grande, tão desmedida Que não pode ser medida Nem pescada, nem julgada Sodade, esta aguda seta Que é mãe da recordação Sabendo que eu sou poeta Achou que meu coração Pra se arranchar dava jeito E foi entrando em meu peito Como broca em aroeira Que vai furando, furando Até que fica morando No miolo da madeira Com a mesma ingratidão Veio a sodade sem dó Agarrou meu coração Se enrolou e deu um nó E foi crescendo, crescendo Cada vez mais se estendendo E por dentro enraizando Tanto ligou e apregou Que em toda parte que eu tô Ela tá me aperreando No verdor da minha idade Modi acalentar meu choro Minha vovó de bondade Falava em grandes tesouros Eram estórias de reinado Prencesa e príncipe encantado Com feiticeira e condão Essas estórias engraçada Tá selada e carimbada Dentro do meu coração Mas, porém, eu sinto e vejo Que a grande sodade minha Não é só de história e beijo Da querida vovozinha De manhãzinha bem cedo Sodade dos meus brinquedo Meu bodoque e meu fornol O meu cavalo de pau Meu pião, meu berimbau E a minha carça cotó Sem esperança e sem fé Vejo o meu mal incurávi Eu tenho sodade até Das coisa desagradávi Pois mesmo aquilo que eu via Que não me dava alegria Não ficava satisfeito E nem me sentia bem Virou sodade também E se arranchou no meu peito Sodade quando eu deitado Na minha pequena rede Escutava admirado Nos buracos da parede O cri cri cri dos grilos Sodade de tudo aquilo Que para mim já morreu Sodade até das palmada Corcorote, chinelada Que minha mã dava n’eu Nesse tempo eu pissuia Paz, inocência e saúde Quando no inverno chovia Eu ia brincar de açude Nas levadas do terreiro Todo alegre e prazenteiro Mas aquele tempo belo Que para mim já não torna Fez do meu peito bigorna E da sodade martelo E o velho martelo horrendo Toda noite e o dia inteiro No meu coração batendo Batendo como um ferreiro Maiando num ferro quente E assim todo deferente Do resto da humanidade Como um pobre vagabundo Vou arrastando no mundo O meu fardo de sodade Já me achei bem rodeado De amor, beijo e carinho E hoje triste e abondonado Vou seguindo meu caminho Sem alento e sem conforto Cansado, enjambrado e torto Com o grande peso da idade O meu corpo até parece A formatura de um S Com que se escreve sodade