Ainda ontem tínhamos dezasseis anos E as nuvens, eram alvuras Frágil quimera em quem me penetro É no teu abraço que tropeço Tu, cujo perfume me sufoca Dormes na minha insônia perpétua E, neste poema em que me embriago Dor de aço, brisa noturna para-me no regaço Ainda ontem tínhamos dezassete anos E os dedos teus, feitos meus Plantavam estrelas no olhar Tudo nos mentiu e separou Frágil perenidade do verbo amar Onde, feitos troianos, desenhamos meridianos Eu, cuja nudez eclodiu da profundidade Neste débil mundo em que doí pensar-te Desenhei a cicatriz de hemera Vitima da sensibilidade Ainda ontem a minha idade era a tua E a tua minha num arvorar de cores do fim Rasga um voo de águia na madrugada Adormecem poetas Desfazem-se os amantes Sobrevivem os homens do lixo Sem saber a qual das duas questionar o que é a vida E nós, cujas sombras a luz já apagou Somos um compêndio sórdido de silêncio Outrora eco Hoje, já não temos idade E estas janelas mais não são do que paredes mascaradas Pesa-nos a identidade Dói-nos o beijo de duas almas abençoadas Quiçá, um dia apaixonadas Tu e eu, a quem o futuro se vestiu de sépia Num rasgar de asa veraneio O mesmo calor com que te anseio Ainda ontem tínhamos cinquenta e sete anos E o tempo era um lugar cativo Discreto inimigo Mas amanhã, quando te chorar ao mundo Já teremos cinquenta e oito anos E os nossos dias Continuarão cinzentos, eternos cigarros inacabados Tu, cujos lábios sabem como nenhuns Habitarás sempre em mim Sob o condão de eternidade Nesta varanda que trago dentro E onde o sol é de cristal Eu que chamar-te-ei sempre de casa Hei-de recordar em ti cascatas Fragrâncias termas e puras Arribas em que apetece mergulhar Um dia, já não haverá idade Nem álgebra, aritmética ou física Apenas o pulsar da vida num Palpitar vermelho de veias Aí, quando o tempo poisar em nós Hás-de sentir-te viajar comigo Tu e eu, num perpétuo voo de asa Eu e tu, a queimar em brasa