Noel Guarany

Presídio Municipal

Noel Guarany


A um brete, o presídio é igual
Costeando tourada alçada
Cada osco, aspa virada
Com fala no "pajonal"
Na grade, aquele zum-zum
Índio, branco, ruivo, e algum mais retinto
Que, poliango, presos por simples fandango
Culpado mesmo, nenhum

Na sua lógica bronca, esta prisão já demora
Porque há tantos lá por fora, bons tentos da mesma lonca
Por que, metidos no ajojo, se os outros bebem o apojo
Da liberdade sem freio
Aqui, em ronda e pastoreio, até entristece e dá nojo

O que matou, peito a peito, nenhum remorso denigre
Foi peleando, como um tigre, se vendo daquele jeito
E aquele ali, contrafeito, mulato, a barba caprina
No próprio olhar se condena
Não ví que ele cumpre a pena pela degola da china!

E o quietarrão? Sempre calado!
Carão fechado de cumba, mais sério que catatumba
É o preso que menos fala, maneado nos pensamentos
Lembra a madrugada fria, em que, na cama de tentos
Com quatro gritos por prosa
Ao gauchão que o traça, e a dona que ele queria
Matou com raiva gostosa

E os três ladrões de cavalo, que estampas de gauchões!
Indo em curtos intervalos, do extremo sul às missões
Floriando os pingos alheios, das tropilhas das estâncias
Têm no peito, em corcoveios, as ganas de um coxilhão
De ir esbanjando as ganâncias, comemorando as distâncias
Com tragos de um borrachão

Mas este, ladrão de vaca, é mais humilde que os outros!
Com fama em lombo de potros, e mais cantor que baitaca
Um dia, caiu no roubo
Por proeza de moço bobo, pelo prazer da aventura
Cada campereada rara, peleando com a lua clara
Laçando com a noite escura

Absolvido, este, agora que o promotor apelou
Supõe que já colocou um pé do lado de fora
E o seu planito compús
Já se imagina, contente, suando, livre, ao sol quente
Numa lavoura de arroz

E este aqui?!
Olhos de cobra, papo de sapo
Batendo com os trinta anos, se vendo, e mais uns meses de sobra
Campeão dos mais altos pontos
De um rancor frio, e desalmado
A um pai de família honrado
Matou no mais, por dez contos!

O índio com cara de fome, com a bombacha no espinhaço
Com fama de bom no laço, e uns "diz ques" de lobisomem
Entrando os campos por mel, de noite, em desassossegos
Co'a as pulgas nos pelegos, de ovelhas do coronel

E o que fez "pango" em velório, de canha, como uma brasa
E o outro, o mais grave assunto
Feriu o dono da casa, matou de novo o defunto
Pois declarou ao perito que era um doutor calabrês
Se vivo fosse o defunto, lá se ía de pé junto
Porque morria outra vez

E aquele alto, gadelhudo, com perfil de gavião mouro
Foi sempre tido por touro, por vaus, por bolicho ou cancha
Num bochincho dos coiceiros, lanhou chinas e povoeiros
Com a adaga dada de prancha

E o criolito ligeiro, mesquinho de um safanão!
Bueno pra encher chimarrão, ou recolher no potreiro
No balcão do bolicheiro se meteu numa enrascada
Numa noite sonhadora
Com senha......., Dez latas de goiabada

Aguardando a apelação, esse ali sempre risão
Seu júri foi de alegria, todo mundo meio ria
Só o Meritíssimo não
E o defensor, buenachão, com um timbre de garganta
Provou que o crime, era nada!
Tosou toda a matungada que havia numa bailante!

Dá uma piedade tremenda olhar tanto índio em castigo
Cavacos, de cerne antigo, que escorou em paz e contenda
Da Pátria, a posse tranqüila
Por algo, se vieram vindo
De tombo em tombo caindo
Até o presídio da vila!