Esses dias eu cantei lá na querência Prum tropeiro que voltava para o pago Uma milonga de alquimia e transcendência Sobre a cobra que se come pelo rabo Enquanto eu lhe dedilhava esse bordão Quis saber de onde sabia essa canção Essa milonga eu conheci pra lá do prata Foi na voz de um portenho cantador Que trazia entre as folhas da Vulgata Letras de canções, cartas de amor Cantava a prenda que lembrava de um rincão Quis saber de onde sabia essa canção Essa milonga foi meu pai asquenazita Que me legou junto do arco e o violino Quando pôs pra tocar no toca-fita Uma trova que dizia que era hino Quando terminou a gravação Quis saber de onde sabia essa canção Essa milonga eu encontrei adormecida No suor de uma cama de puteiro Quando achei no encontro das virilhas A chave inalcançável de um quarteto Falhei em agarrá-la com as mãos Quis saber de onde sabia essa canção Essa milonga eu escutava amiúde Entro o eco de uma grande catedral Quando escapava da prisão de um alaúde Um trovador que trovava em provençal A voz renascia num clarão Quis saber de onde sabia essa canção Essa milonga eu conheci no fim da tarde Um velho monge segurava com a mão Solidão pra conquistar a santidade Santidade pra aturar a solidão Escutei-a contraposta ao cantochão Quis saber de onde sabia essa canção Essa milonga vem de um campo em outro mundo Onde a cana nasce forte sem cultivo E quando o vento vem soprando entre os juncos Todo campo canto junto em assovio Quando ouvi cantar a plantação Quis saber de onde sabia essa canção Essa milonga é a sombra da milonga Que existe ao sul do sul na amplidão Onde é a morte vira vida e se prolonga Onde Deus existe, o tempo não À memória ao presságio à intuição Quis saber de onde sabia essa canção Essa milonga existe desde antes quando Sobre as águas se movia meu espírito Antes da luz se ouvia um gaucho amansando Cavalo chucro na antessala do infinito Cantava a China que lembrava de um rincão Quis saber de onde sabia canção Essa milonga eu conheci lá na querência Já era noite eu voltava para pago Aprendi sobre alquimia e transcendência Sobre a cobra que se come pelo rabo Enquanto ele dedilhava esse bordão Quis saber de onde sabia essa canção