Nego prego

Memorias Postumas

Nego prego


MEMORIAS POSTUMAS

As dores no corpo castigam minha alma 
O que sobrou do meu consciente tenta manter minha calma 
Sinto um cheiro forte de álcool que ta me fazendo mal
Pelo fluxo de gente parece até um hospital 
Vejo vários vultos na minha volta circulando 
Apontando pra mim mas não ouço o que tão falando 
Ao meus pés alguém com uma planilha anotando 
Todos param pra olhar tem alguém se aproximando 
Chega e toca nos meus pés faz carinho na minha mão fria 
Me chama do apelido que só minha mãe sabia 
Só poderia ser ela comigo até no fim 
Apesar das  minha fitas sempre foi leal a mim 
E eu lhe dei desde que nasci todo tipo de tristeza 
E ela engolia o choro pra não demonstrar fraqueza 
Ajoelhou, conversou comigo como se eu estivesse ouvindo quieto
Abraçou meu corpo sem vida ainda com os olhos abertos
Deitou sobre o meu leito disse que me amava 
Passou a mão sobre a minha face e aos poucos os olhos se fechavam
Dentes ainda cerrados e o semblante agressivo
Mesmo morto algo em mim ainda parecia vivo
Como a semente que cai e fica ao fundo da terra 
Também ficou a saudade de ter que deixar essa guerra 

Por mais de 24h entranhado no necrotério 
Esperando ser liberado e levado pro cemitério 
Mas pelo tempo que faz vou ser o ultimo a ser recortado
Duas dúzias de estanho óbito assassinato 
Não sou o único naquela sala ferido a ferro e fogo  
Outros da mesma idade tombaram no mesmo jogo
De outras quebradas, outro bando, outro comando,
Individual na maca de ferro quase que se decompondo 
Meu caixão chegou é hora de ir embora 
Minha coroa venho me buscar trouxe meus panos e meu nike da hora
Antes de lacrar a tampa me deu um beijo no rosto
Me desejou paz eterna e me perdoou dos desgostos 
Mas olha que barato estranho 
Quem me matou na minha saída já tava chegando 
Num rabecão encardido e desfigurado
A noite foi longa hein? La pra aqueles lado

No velorio um vazio invade silenciando minha velhinha 
Sedada de água de melissa pra permanecer tranqüila 
A madrugada é longa a maior de sua vida 
parece estar preparada mas não pra hora da partida 
o enterro ta marcado 9:30h da matina 
sem coroa de flores pra coroar minha sina
e começa o cortejo em direção ao meu descanso 
quadra C-22 unitário do campo santo
e derrepente tudo para acho que chegou 
alguém chorando inconformada pede pra abrir o vitrô 
fala coisas sussurradas implora pra eu responder 
alguém abraça ela bem forte tentando a conter
me colocam na valeta sinto o caixão baixar 
um dos coveiro chega perto e começa terra atirar
minha mãe se aproxima ajoelha e começa a orar 
nessa hora pelo pranto dela vi até o homem chorar 
final injusto duro e inconseqüente 
me premiou com a morte puniu os inocentes 
e agora  sem os amigos de fé a volta 
sem honra sem nada sem direito a resposta 
tentei falar mas era tarde pra falar 
quando todos viraram de costas pra ir embora 
eu o filho único de mãe solteira cheio de memórias... fiquei por lá