Eu sou a figura do velho espantalho Por bretes e atalhos a vida me esquece Sou feito de trapos O céu é meu teto E o filho dos netos já não me conhece Eu sou a esperança da terra lavrada Vigília velada ao broto do grão Eu sou um amuleto, um quebranto, um bendito Vagueio infinitos fincado no chão No mundo encantado do piá guerreiro Fui alvo certeiro pra seus bodocaços Brinquei com os ventos Ouvi confidências, chorei as ausencias Não tive cansaços Sonhei com as estrelas, namorei as luas Em rondas charruas de inverno e verão Me deram guarida as noites viúvas E com a água da chuva fiz meu chimarrão E com a água da chuva fiz meu chimarrão Hoje a traça do tempo, roeu minha estampa Não há mais nesta pampa, meu rude semblante Não tive rebentos de razão ou rebanhos Fiquei nos antanhos com um tempo distante Quando a terra rachar e a semente morrer O fruto não nascer e a paisagem mudar Neste mar de venenos e mil defensivos Pra espantalhos vivos cederei meu lugar Eu sou a figura do velho espantalho Eu sou a figura do velho espantalho